O PODER DOS FLANELINHAS
Tem coisas que acontecem na vida da gente, que analisando friamente, percebemos o quanto temos que ter paciência no nosso dia-a-dia, e sem nos apercebermos, a inversão de valor se torna uma obrigação.
Para se ter uma idéia de quanto somos induzidos a assumirmos obrigações, diria, até ilegal, essa semana que passou eu estacionei o veículo de minha propriedade em frente à Rádio Rural e ao tentar descer do mesmo, já fui imediatamente abordado por um senhor que se dizia “flanelinha”, e que tomava conta daquele pedaço de estacionamento.
“- Vamos ‘lavar’ o carro, patrão?”
Eu olhei para o cidadão, procurei abrir a porta sem incomodá-lo (o mesmo se plantou ao lado dela, não me deixando alternativa senão pedir licença para poder sair do veículo) e, educadamente, recusei a oferta generosa, pois com certeza, esmola grande cego desconfia.
“- Que é isso, doutor! No instante eu lavo”, insistiu.
Pacientemente eu agradeci a boa intenção, explicando-lhe que não ia demorar muito ali, mostrando que o carro não precisava ser “lavado”, mesmo porque eu costumava “lavá-lo” num posto devidamente autorizado pela prefeitura e que me prestava um serviço completo.
“- Então eu vou “pastorá-lo”, enfatizou.
Confesso que quase me veio à frase: “eu agradeço, mas não precisa “pastorá-lo”. Porém, fiquei calado. Tentei evitar aborrecimento, tipo: carro riscado, retrovisor quebrado, placa amassada e com o selo do DETRAN retirado, calota arrebentada.
Pois bem, resolvido o que tinha ido fazer na citada emissora, retornei para o veículo (da minha chegada até a hora da volta, já tinha se passado duas horas) e, antes de colocar a chave na lateral da porta, para abri-la, o distinto cavalheiro da flanela – que estava sentado mais outros dois, estava sentado, com mais outros dois, jogando baralho na praça em frente – gritou acenando com uma das mãos para que eu o esperasse chegar. Estranhei, mas resolvi ficar ali, em pé, no sol, serenamente, esperando a chegada do dono daquele pedaço. E ele veio... Assim que acabou a partida de baralho que estava disputando.
“- Pô! Tá vendo! Tinha dado tempo de “lavar” o carro”, falou se aproximando de mim, gesticulando os braços, com cara de quem estava chateado por eu não ter aceitado a sua oferta e, ainda por cima, ter demorado o tempo suficiente para ele ter feito o “serviço” que propusera.
Voltei a me armar de toda paciência do mundo e expliquei ao indignado proprietário do perímetro urbano que o fato de ter demorado além do previsto não justificava a sua insatisfação, mesmo porque, não lhe dizia respeito, o meu tempo. Porém, como percebi que o mesmo estava “alterado” e não querendo continuar ali debaixo do sol escaldante, retirei a única cédula que tinha no bolso, de cinco reais, e pedi que o mesmo ficasse com um real e me devolvesse o resto. A surpresa veio aí.
“- É o seguinte, pelo tempo que você passou estacionado, o valor é cinco reais”, disse ele me olhando (olhando não, me encarando com um olhar de desafio, como querendo me intimidar).
Credito a (minha) sorte ao amigo jornalista – que me acompanhava – que veio me defender e não o deixou continuar a me explorar, mesmo porque, por mais que eu buscasse com o olhar, um policial, não encontrei nenhum nas redondezas.
Lamentável tudo isso. O centro da cidade se tornou uma verdadeira zona de loteamento, com todo tipo de desocupado se dizendo “flanelinha”, abusando de sua condição de “pastorador”, e intimidando quem precisa estacionar seu veículo. Fica claro, em suas palavras, que se não aceitar suas condições, alguma coisa de ruim vai acontecer.
Evidente que o problema diz respeito à desigualdade social, a falta de qualificação profissional, a falta de políticas públicas para modificar esse quadro, mas é, também, uma omissão clara das autoridades, que não coíbe os excessos ou não cadastram quem realmente está ali para desempenhar uma atividade, ou prestar um serviço. Devido a essa benevolência, é que há a proliferação desses indivíduos, muitos, apenas para conseguir dinheiro para alimentar o vício.
O pior foi ver pelo retrovisor, ao sair, o “flanelinha” ao lado de outro, anotando a placa do meu carro.
Obs. Imagem da internetTem coisas que acontecem na vida da gente, que analisando friamente, percebemos o quanto temos que ter paciência no nosso dia-a-dia, e sem nos apercebermos, a inversão de valor se torna uma obrigação.
Para se ter uma idéia de quanto somos induzidos a assumirmos obrigações, diria, até ilegal, essa semana que passou eu estacionei o veículo de minha propriedade em frente à Rádio Rural e ao tentar descer do mesmo, já fui imediatamente abordado por um senhor que se dizia “flanelinha”, e que tomava conta daquele pedaço de estacionamento.
“- Vamos ‘lavar’ o carro, patrão?”
Eu olhei para o cidadão, procurei abrir a porta sem incomodá-lo (o mesmo se plantou ao lado dela, não me deixando alternativa senão pedir licença para poder sair do veículo) e, educadamente, recusei a oferta generosa, pois com certeza, esmola grande cego desconfia.
“- Que é isso, doutor! No instante eu lavo”, insistiu.
Pacientemente eu agradeci a boa intenção, explicando-lhe que não ia demorar muito ali, mostrando que o carro não precisava ser “lavado”, mesmo porque eu costumava “lavá-lo” num posto devidamente autorizado pela prefeitura e que me prestava um serviço completo.
“- Então eu vou “pastorá-lo”, enfatizou.
Confesso que quase me veio à frase: “eu agradeço, mas não precisa “pastorá-lo”. Porém, fiquei calado. Tentei evitar aborrecimento, tipo: carro riscado, retrovisor quebrado, placa amassada e com o selo do DETRAN retirado, calota arrebentada.
Pois bem, resolvido o que tinha ido fazer na citada emissora, retornei para o veículo (da minha chegada até a hora da volta, já tinha se passado duas horas) e, antes de colocar a chave na lateral da porta, para abri-la, o distinto cavalheiro da flanela – que estava sentado mais outros dois, estava sentado, com mais outros dois, jogando baralho na praça em frente – gritou acenando com uma das mãos para que eu o esperasse chegar. Estranhei, mas resolvi ficar ali, em pé, no sol, serenamente, esperando a chegada do dono daquele pedaço. E ele veio... Assim que acabou a partida de baralho que estava disputando.
“- Pô! Tá vendo! Tinha dado tempo de “lavar” o carro”, falou se aproximando de mim, gesticulando os braços, com cara de quem estava chateado por eu não ter aceitado a sua oferta e, ainda por cima, ter demorado o tempo suficiente para ele ter feito o “serviço” que propusera.
Voltei a me armar de toda paciência do mundo e expliquei ao indignado proprietário do perímetro urbano que o fato de ter demorado além do previsto não justificava a sua insatisfação, mesmo porque, não lhe dizia respeito, o meu tempo. Porém, como percebi que o mesmo estava “alterado” e não querendo continuar ali debaixo do sol escaldante, retirei a única cédula que tinha no bolso, de cinco reais, e pedi que o mesmo ficasse com um real e me devolvesse o resto. A surpresa veio aí.
“- É o seguinte, pelo tempo que você passou estacionado, o valor é cinco reais”, disse ele me olhando (olhando não, me encarando com um olhar de desafio, como querendo me intimidar).
Credito a (minha) sorte ao amigo jornalista – que me acompanhava – que veio me defender e não o deixou continuar a me explorar, mesmo porque, por mais que eu buscasse com o olhar, um policial, não encontrei nenhum nas redondezas.
Lamentável tudo isso. O centro da cidade se tornou uma verdadeira zona de loteamento, com todo tipo de desocupado se dizendo “flanelinha”, abusando de sua condição de “pastorador”, e intimidando quem precisa estacionar seu veículo. Fica claro, em suas palavras, que se não aceitar suas condições, alguma coisa de ruim vai acontecer.
Evidente que o problema diz respeito à desigualdade social, a falta de qualificação profissional, a falta de políticas públicas para modificar esse quadro, mas é, também, uma omissão clara das autoridades, que não coíbe os excessos ou não cadastram quem realmente está ali para desempenhar uma atividade, ou prestar um serviço. Devido a essa benevolência, é que há a proliferação desses indivíduos, muitos, apenas para conseguir dinheiro para alimentar o vício.
O pior foi ver pelo retrovisor, ao sair, o “flanelinha” ao lado de outro, anotando a placa do meu carro.