O trote

A Gerusa bate na vizinha:

- Dona Eulália, bom dia, posso usar seu telefone? O meu tá com uns probleminhas, já chamei a Telepar e até agora nada.

- Claro, comadre – bondade da Dona Eulália, até então era oioi –, entra!

- Licença. A senhora me acredita que o montador das Casas Bahia que veio entregar minha cama e minha estante só quer montar a estante? Vê só!

Já tinha acontecido com Dona Eulália. Essas lojas são umas tralhas. Êpa, meu Pai Amado, meu feijão tá no fogo!

- Ah, eles são terríveis mesmo. Usa sim, comadre. Só me dá um instantinho que vou tirar o feijão do fogo, tinha até esquecido.

- Dá licença, Dona Eulália.

Chama, chama, chama, chama. Atenderam.

- Alô, é das Casas Bahia?

- Não senhora, é residencial. Que número a senhora discou?

Ploft, na cara mesmo. Se ela soubesse pra que número discou, teria dado nas casas Bahia. Santa estupidez! Afinal, ela estava certa do telefone. E ligou de novo.

Mas será o Benedito? Ela não ia atender novamente.

- Atende lá, Tinho – a mulher resmungou – , deve ser uma grossa perguntando das Casas Bahia. Já disse que não era aqui e ainda me bateu o telefone. Nojenta.

Tinho tomou as dores da mãe. Atende:

- Casas Bahia, bom dia.

- É, bom dia – só se fosse pra ele que devia ter a cama muito bem montada em casa, imbecil –, eu quero falar como vendedor Valdir.

- Ele não está no momento, senhora, está atendendo um cliente. A senhora gostaria deixar recado?

- O que acontece é o seguinte: eu comprei dois móveis com ele, ta entendendo? Comprei um dia 25 e o outro no dia 27, mas ele garantiu que o rapaz ia montar os dois. E agora o homem tá se recusando a montar a cama. Quero que ele corrija isso já!

- Senhora – Tinho destilava o vocabulário telemarqueteiro com a calma conhecidamente irritante –, nesse caso teria de ser apenas com o vendedor Valdir. Vou passar o seu recado para o ele agora mesmo. A senhora poderia estar passando – estar passando, hihi – seu telefone que ele estará fazendo – hihihi – contato a seguir, tão logo termine o atendimento.

- Escuta aqui, eu quero falar com ele agora! Ou então eu atropelo esse idiota da minha casa, pego um táxi e jogo tudo na frente da tua loja. Olha que barraqueira eu sei ser, heim? E tem mais: se sou eu quem tô devendo, vocês já estavam na minha porta. Mas como sou eu quem preciso, vocês não se mexem, né? Pois é assim que vocês são, viu!

Aí Tinho foi demais. Pediu um minuto pra rir e lançou o apoteótico clímax:

- Qual o nome da senhora? Gerusa? Certo, dona Gerusa. Esse procedimento é padrão, realmente. É política da empresa.

Silêncio dos dois lados. Cinco segundinhos depois, Gerusa impõe:

- Ou o Valdir liga AGORA no meu celular, ou o pau vai quebrar bonito. E eu to falando sério. Tu, tu, tu, tu...

Nem passou o celular. Pena.

Ainda sob o efeito do trote da manhã, Tinho vai até a casa da avó medir a pressão, aqueles mimos de neto. E acha a avó lamentando:

- É só o que falta, mesmo. Daqui a pouco faz que nem fizeram pra Gerusa.

Tinho parou. Gerusa?

- A vizinha do lado? O que aconteceu, vó?

- Ela veio pedir o telefone emprestado hoje aqui. Coitadinha. Me acredita que os pragas duma loja aí não queriam por nada montar a cama dela? Queriam montar só a estante. Ela ligou lá pedindo pra eles verem o que faziam e ainda ouviu desaforo!

Tinho ficou quieto. Mas, final de ano, bem que ficou com vontade de levar um panetone pro Valdir.