O Reino da Irrelevância
Na Terra do Surreal, a oeste do Reino da Redundância há uma potência emergente – o Reino da Irrelevância. A língua oficial do lugar é o tititi, mas nas ruas também falam dialetos, como o politiquês e o futebolês. Seu representante político máximo é o Vice – Itamar e Sarney foram casos únicos de vices relevantes. O Ministro das Relações Exteriores, responsável pela boa imagem do reino, é trocado semanalmente: agora, por exemplo, o cargo é do vencedor do BBB8. Patriota, o povo irrelevante orgulha-se da apresentação radiofônica diária, em cadeia nacional, da Hora da Irrelevância.
O reino é famoso pela exportação de “quase-celebridades” – flores efêmeras, sem cor, que não fedem nem cheiram e que crescem num solo de relevo, digamos assim, irrelevante. O maior desafio de quem cultiva “quases” é fazê-las durar mais de um dia.
Em Irrelevância há liberdade de expressão - dos habitantes não é exigida ideologia. Irrelevantes não precisam ter causa nem conteúdo. Todos veneram o jornalismo decerebrado e revistas especializadas competem pelo título de veículo oficial de comunicação. Invasão da privacidade alheia e o culto extremado ao narcisismo são hábitos muito valorizados por aquelas bandas. Os passatempos nacionais - encher lingüiça e falar abobrinha – consomem grande parte do tempo do irrelevante comum. Já a produção acadêmica é espantosa: doutores e pós doutores passam a vida pesquisando o sexo dos anjos ou o número de pulgas que cabem na cabeça de um alfinete.
A principal atividade econômica da potência é, naturalmente, a produção e divulgação de irrelevâncias. Ontem, por exemplo, experts em assuntos irrisórios alardearam o pedido de casamento que Rafinha fez à namorada de infância; a rusga doméstica do presidente francês e sua cara Carla; o caso da cafetina brasileira que derrubou o governador americano; o namoro da musa comunista do Congresso com o colega petista. Também são especialidades do reino temas de produção seriada: quem fez o que na novela das 8, a opção sexual de B, o divórcio de A...
O fluxo migratório é intenso. Imigram para Irrelevância temas importantes que os interesses vigentes desejam ocultar. Eles ficam por lá pouco tempo: mais cedo ou mais tarde, todos relevam o seqüestro relâmpago e retornam para Relevância, a salvo. Em sentido oposto, diariamente hordas de irrelevantes deixam o reino para testar a sorte no mundo real. A primeira providência do irrelevante ao cruzar a fronteira Imaginário-Realidade é contratar um bom assessor de imprensa que se encarregará de inseri-lo em aparições públicas igualmente irrelevantes. A seguir, irrelevantes posam para ensaios sensuais ou namoram celebridades, preferencialmente jogadores de futebol. Nos quinze minutos de glória que se sucedem, todos reclamam da fama. Mais tarde, na iminência do ostracismo, eles se desesperam e pedem asilo político. Por causa dos rígidos requisitos de cidadania, somente uma ínfima parcela consegue naturalizar-se relevante. O restante é enviado, anonimamente, para a terra natal.
Quase esqueci de mencionar que o povo do reino é muito devoto. Ao deparar com um cidadão de lá, é recomendável evocar sua santa padroeira para saudar o irrelevante:
“- Valei-me, Santa Paciência!”.
Aposto como você já sabe para onde me deportar depois de ler esta crônica irrelevante.
“ Viver é lutar contra a irrelevância”, disse o blogueiro.
E na guerra, a primeira estratégia é conhecer o inimigo, acrescentaria Sun Tzu.