A imposição da mediocridade
Sempre que um indivíduo cria algo muito adiantado em relação à sua época, seja na arte, na técnica ou na ciência, acaba sendo desprezado ou escarneado. Um espírito, para sua desgraça, visionário e brilhante, não é levado a sério nas suas altas fantasias; e com o passar do tempo, quando outros, interesseiros ou não, vêem algo nessas fantasias e as introduzem aos poucos, disfarçadamente, na realidade, a humanidade aceita com naturalidade o que antes era motivo de risos.
Exemplos? Copérnico, Manet, Lautréamont...
Quanto aos que louvam o passado, e escrevem poesia quinhentista ou pintam no estilo impressionista, sucede algo parecido. Eles também são execrados. “Escolher bem entre coisas velhas é quase igual a inventar coisas novas”, adverte Trublet. Assim também pensava a maioria dos românticos.
O povo procura, sim, o novo. Mas não o muito novo. O muito novo assusta. E é raro encontrar alguém que descubra qualquer coisa no velho. Então, se pensarmos um minuto, vamos reconhecer que não há propósito mais insidioso do que defender o antigo ou o recente. O Sol tem 4.005.000.000 de anos. E parece que ainda funciona bem.
Existem dois casos, na pintura, de incompreensão pelo tempo, que chegaram às últimas conseqüências. Trata-se de Vincent Van Gogh e John William Godward. Ambos se suicidaram. Van Gogh era dono de um estilo muito novo, que foi a inspiração de praticamente todos os movimentos artísticos dos primeiros anos do século 20, sobretudo do Fauvismo e do Expressionismo. Em vida, teve somente uma pintura sua vendida, por um preço que talvez não fosse suficiente para comprar um quilo de batata. Hoje, é um dos pintores mais famosos no mundo todo, e suas telas valem fortunas.
Godward, ligado ao movimento Pré-Rafaelita, de retorno aos cânones dos pintores que precederam ao Renascimento, retratou quase exclusivamente moças gregas da Antigüidade em seu cotidiano. Seu traço clássico agradou a muita gente em sua época. Até a pintura moderna se popularizar e lançá-lo no esquecimento. Amargurado, impressionado, escreveu em seu bilhete de suicida: “O mundo não é grande o suficiente para mim e Picasso”. Hoje ninguém o conhece mais.
Van Gogh e Godward, geniais ou não, sofreram a incompreensão do seu tempo. A filosofia nos ensina que a beleza é absoluta: Van Gogh, de quem se fugia tanto antigamente, agora é o pintor mais festejado de todos. Mas ele não ficou belo com o tempo; ele sempre foi o que é. E Godward, de um classicismo delicioso, fez grande sucesso enquanto vivo e agora desceu até o anonimato. Mas ainda é o mesmo Godward do início do século passado. O que mudou foi outra coisa.
A nossa missão, então, é fazer com que Godward e Picasso caibam no mesmo mundo.