TAUTOLOGIA
Tautologia
Hermes Peixoto*
Você seria capaz de escrever uma crônica usando tautologia? Recebi este desafio e então resolvi enfrentá-lo. Vocês sabem o que é tautologia? A tautologia é um dos vícios de linguagem que consiste em dizer ou escrever a mesma coisa, de maneira viciada, com palavras diferentes, mas com o mesmo sentido, assim meio parecida com pleonasmo ou redundância. Os exemplos mais comuns são subir pra cima, descer pra baixo, repetir outra vez, rever de novo etc. E atire a primeira pedra aquele que nunca cometeu este vício. Assumi o desafio e ainda que esta crônica venha a ser a mais execrada da minha vida, talvez tenha sido a mais difícil que já escrevi, pois o corretor gramatical do meu computador teimava em corrigir as minhas propositais tautologias, com seus risquinhos vermelhos e verdes. Ah! Como eu gostaria de saber português como o Pasquale!
Na história que eu criei ela começaria fazendo um elo de ligação, entre o real e o imaginário. Qualquer semelhança é mera coincidência. Agora o desafio é para você meu caro leitor. No final da leitura desta crônica tente descobrir quantos termos tautológicos eu usei. Mande para o meu E-mail e se você acertar ganhará um brinde. Eis a estória:
Há anos atrás, um vereador da cidade, sem outra alternativa, resolveu, de sua livre escolha, romper com o seu partido, pelo fato real de que o prefeito do município, seu correligionário, não quis calçar a sua rua. Nos dias 2, 3 e 4, inclusive, do mês de janeiro de 1996 ele redigiu uma carta com vários anexos juntos e com a ajuda de um especialista no assunto, calculou a quantia exata que seria gasta no calçamento da rua, agregando detalhes minuciosos ao documento, provando que haveria um superavit positivo no final da obra, não somente pelo beneficio que causaria aos moradores, mas principalmente pelo número de votos que ele conseguiria para a sua reeleição. Mostrando a correspondência e o projeto aos moradores da rua e a negativa do prefeito, todos foram unânimes em concordar com o vereador e passaram a conviver juntos com ele aquele momento de protesto. Insistiram e em comissão levaram o documento novamente ao prefeito; não surtiu efeito. Sintomas indicativos do descaso chegaram ao conhecimento de todos os moradores da rua que exaltados, na certeza absoluta de que conseguiriam resultados positivos, mesmo sem a ajuda do prefeito, juntaram-se e resolveram calçar a rua onde moravam. Inicialmente dividiram-se em duas metades iguais. Uma parte contrataria o pessoal habilitado em fazer calçamento, compraria as pedras, cimento, areia e a outra metade do grupo planejaria antecipadamente a forma de conseguir um empréstimo temporário junto a um banco da cidade e como outra alternativa levantaria fundos junto a população, mesmo que não fosse moradora da rua. Era expressamente proibido “vazar” qualquer informação para o pessoal do prefeito pois eles tinham a certeza absoluta de que se ele soubesse do plano, tudo seria feito para impedi-los. E como o povo unido jamais será vencido, ao amanhecer do dia, de um domingo, uma multidão de pessoas encarou de frente o trabalho e iniciou o calçamento. Pedras foram descarregadas na quantidade exata, brita, cimento, areia, pás, enxadas e um mutirão de moradores e contratados experientes em calçamento, numa azáfama infernal, gritavam alto, incitando os mais morosos. Até o vereador e companheiros da oposição ao prefeito, compareceram em pessoa, excedendo em muito as expectativas de sucesso do empreendimento. No meio do dia, aquela criação nova já era um fato concreto. Ninguém mostrava cansaço e a razão é porque eles queriam terminar o serviço antes de escurecer, para não terem que retornar de novo em um outro dia e principalmente para causar uma surpresa inesperada e desconcertante ao prefeito, o que possivelmente poderia ocorrer logo na segunda-feira.
Almoçaram as marmitinhas que o vereador trouxe. Ninguém arredou pé do serviço. A comunidade era realmente comunitária e por escolha opcional, todos comeram ali ao pé da obra com igualdade e fraternidade; ricos e pobres, brancos e pretos, velhos e moços, homens e mulheres todos reunidos no mesmo ideal, que não acabaria nem às 18 horas, quando entoando o cântico da Ave-Maria, fizeram o acabamento final da obra. Exaustos, cansados, vitoriosos, improvisaram uma faixa para a inauguração do calçamento, feita dos panos de calhamaço usados na limpeza das pedras rejuntadas, rotos, com seus fios se desprendendo qual bandeiras agitadas. Prenderam-na de lado a lado da rua e, as mãos que trabalharam, todas as mãos, começaram a puxar um fio para si até que a faixa se desfez completamente e liberou a rua, numa exótica, expressiva e comovente abertura inaugural. Até hoje aquela rua continua a permanecer como a última versão definitiva de que o povo unido jamais será vencido.