Contrato de fidelidade

Sotaque nordestino:

- Alô, com quem eu falo?

- Jeremias.

- Senhor Jeremias, aqui é a Carmen da GVT. A respeito de soluções em internete e telefone eu posso falar com o senhor mesmo?

- Pode, Carmen.

Suspirou: lá vinha. A esposa saíra para ir ao mercado e no momento em que ele recostou na poltrona para apreciar os momentos de querida solidão – no momento em que mergulhara na banheira – o telefone tocou. Ele teria de pôr o cedê desde o início, relaxar, novamente entrar no clima. Que merda.

- Senhor Jeremias, a GVT está com um novo plano...

Poupo a mim e a vocês da promoção da GVT. Longe de ser desinteressante, faço-o apenas porque o Jeremias, que manda e desmanda aqui, não se interessou. Além de estar louco pra voltar à faixa um e à poltrona, ele já tinha secretária eletrônica, identificador de chamadas, conexão de um mega e vantagens adicionais.

A porta da sala abriu, mas o Milton Nascimento não denunciou.

- Muito grato, Carmen, mas não posso. Exato, minha mulher não está. Mas adianto que não estou interessado. Não posso, Carmen.

“Não está interessado em quem?” – era a mulher que esquecera o visa e voltava, que cabeça a dela! Mas não entrou no quarto para pegar o cartão. Ficou na moita, ouvindo a conversa. “Que Carmen é essa?”

- Sim, Carmen, eu sei, eu entendi, mas seus serviços no momento não me interessam. Certo?

Pausa. Uns dez segundos:

- Sabe o que é Carmen? É que eu tenho um contrato de fidelidade. Não posso aceitar. Isso, fidelidade, logo que eu e a minha mulher nos mudamos pra cá assumimos isso.

A Fátima sem saber o que dizer. Ficou só ouvindo o Milton Nascimento de cá e o Jeremias de lá.

Concordou, concordou, concordou. Muito polido, o Jeremias encerrou a conversa:

- Certo, Carmen. Agradeço pela proposta, mas no momento eu e a minha esposa não precisamos do serviço. Estamos satisfeitos com a nossa situação, oquei? Foi o que disse mesmo, o contrato de fidelidade. Naaaada – um bom dia pra senhora também –, tchau, tchau.

A mulher entrou na sala nervosa, quase chorando:

- Oi, amor. Esqueci o cartão.

- Ê, Fátima, que cabeça a sua!

- Pois é, que cabeça a minha! Hihihi! Amor, quer que eu faça aquele bobó de camarão pro jantar?

- Adoraria, Fátima! Mas a que devo tão tentadora proposta?

- Nada não. Deu vontade de fazer uma comidinha pro meu maridão.

- Então eu vou com você, se não você compra gelo em vez de camarão. Tem que saber comprar. E você viu que bom esse cedê que o Paulo deu pra mim, do Milton Nascimento?

A Fátima achou ótimo. Foi cantando no caminho.