Sais Adocicados
Era meu costume dizer que gostaria de ter uma casa ao lado de um restaurante.
Parede com parede, para que eu pudesse abrir um vão e por ali buscar minhas refeições.
Era uma utopia. Mas completamente necessária. Estava cansada de trocar o sal pelo açúcar, queimar os legumes e ficar alérgica a todo e qualquer fogão.
O pior de preparar refeição é ficar de olho nas panelas para que nada queime.
Algumas panelas viraram carvão. Mas fazer o que? Não eram resistentes. Troquei as antigas e brilhantes por outras negras. Excelente escolha!
E o tempo foi passando e fui me acostumando a cozinhar.
Inclusive fui sofisticando os pratos: arroz, feijão, salada de tomate com pimentão.
E carne é claro. Bifes tipo sola. Duros, com certeza, mas nunca descobri se serviriam como armas na hora de uma briga à mesa, por exemplo. Em compensação tornava toda e qualquer refeição muito mais longa. Dava tempo de perguntar como foi o dia de cada um e saber, em detalhes, planos para o futuro, devido ao tempo que se gastava para mastigá-los. Entre uma garfada e outra, sempre alguém fazia planos. Inclusive de contratar uma cozinheira. Não era ótimo?
E foi assim que surgiu a Ana em minha vida. Uma senhora de uns 40 anos, bem humorada e louca por quitutes e pratos elaborados.
O cardápio, logicamente, foi alterado. Cada dia era um prato diferente com um sabor delicioso. E ainda tinha a sobremesa.
Dei-lhe a cozinha de presente. E também um livro de receitas iniciado quando eu aprendi a escrever. Claro, continha muito mais receitas doces que salgadas. Mas todas, ainda, inéditas. E Ana tornou-se a rainha do meu lar. Coroada com pompa e muitas trufas.
Os meses foram passando. Quando me dei conta, estava com uns quilinhos a mais.
Fui ficando meio apreensiva. Na verdade, o defeito da Ana era pedir que eu provasse toda receita enquanto cozinhava. Era uma colherada e um pedaço e novamente e novamente, outra colherada e outro pedaço. Eu dizia a ela que não precisava da minha aprovação. Nunca trocou açúcar por sal, nunca queimou nada, para que provar? Mas ela fazia questão.
Agora, sem a Ana e com os quilos adquiridos, voltei ao meu antigo sonho. Quero uma casa ao lado de um restaurante, parede com parede, com um vão onde possa pedir minhas refeições.
Ah! Um detalhe: fiz cursos e mais cursos. Aprendi a cozinhar. Mas até hoje nenhum médico conseguiu curar minha alergia a fogão.