O acaso

Certa vez estava eu deitado na rede, ao lado do pinheiro, ao lado do pé de acerola. Ele veio até mim de súbito; não sei sua origem, e tão pouco isso importa. Falou-me como quem cumprimenta um conhecido, ainda que pra mim seu paradeiro fosse uma estrela no universo, pois ele desprendia luz, porém era totalmente desconhecido, como os anjos são; como Deus o é. Sentou-se no chão, apontou para grama e disse: “Que tu vê?” Não entendi a origem da pergunta, então disse o que qualquer um diria: “Ora, vejo grama, o que poderia eu ver?” Ele continuou: “Não entendes? Até quando se brinca é necessário que se morra” Suas palavras que, é bom dizer, se colocavam um tom assustador, foram por mim interpretadas de forma errada – que somente agora eu sei o motivo. Não compreendi o que disse, pedindo então que explica-se. E ele me falou: “Que há aqui de fato é grama, no seu tom verde, na sua vida natural. Observe agora (e nesse instante apontou para um ponto fixo da grama) vês? É um pedaço de mato” Sim, eu disse, vejo sim, mas é natural que se ache mato entre a grama, é a ordem das coisas, ou não? “Não é do mato em si que eu falo, olhe” Arrancou nesse momento um pedaço desse mato que tinha quatro folhas e uma ponta que parecia um cordão. Levantou-o, suspendeu a minha vista, e começou a brincar com ele, e deu-lhe vida. Então eu vi o que o mato se transformara, era uma pessoa, um personagem que agora se movia, que agora dançava em suas mãos. E ele disse: “Vês? Entende agora o que é a existência? Desse mato nada se tira, pois é apenas um mato. Agora mude seu ângulo, analise por outra forma, esse mato, que era um simples mato, virou agora uma criança, e quantas outras coisas quiseres, vês? As árvores morrem pra viverem brinquedos, nada surge ao acaso, nem de graça. Afinal, o que é o acaso?” Refleti um pouco, entendi que nada sei sobre o acaso, a não ser as poucas coisas que falam dele, então disse: O acaso é algo inesperado, assim pelo menos o penso. “Te enganas menino, o acaso é o agora, é transformação constante que o universo sofre, nada mais que isso. Olha esse mato, olha tuas linhas, olha a vida que te dei, isso é o acaso, porque se não o fosse nada teria acontecido, nem mesmo teus pensamentos seriam os mesmos agora. O acaso é a dúvida, a constante troca de opiniões: um dia, mato; no outro, criança. É esse o ciclo natural, vês? Não perde tempo olhando para as coisas como elas são; olha como elas não são, e criaras então um novo universo; teu universo.” A ilusão a que eu fui posto me deixou perplexo; nada pode ser tão simples assim. As figuras, porém, não serão mais a mesmas a partir de agora, o acaso é sempre visto.

Diego Guimarães Camargo
Enviado por Diego Guimarães Camargo em 27/03/2008
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