Histórias de chuva: SONHOS SE TRANSFORMAM
“Sonhos se transformam”
Estudar uma língua é algo mágico. Por que adentramos em um outro mundo. De conhecimentos, de palavras diferentes, de sons antes impronunciáveis. E principalmente da cultura. Vivemos numa sociedade judaico-cristã-ocidental. Mas quando iniciei-me no mandarim, outra vida se abriu.
夢, mèng.
Sonho é um ideograma de 13 traços. Não é muito difícil. É vertical e está dividido em
três fases. Mas quando recebo uma placa de madeira losangular, sei que tudo está
resumido ali. A primeira parte é o conhecimento, o flerte, aquela mudança
imperceptível no clima, o frescor da novidade. Depois vem a longa e demorada chuva
de paixão, amor, onde intermináveis pingos nos molham. E por fim estando o terreno
adubado, a união.
Hoje desenho firme em seu abdome, o sonho. Será –um dia- a semente que colocarei lá? E ela também o faz em mim. Estamos marcados dermatograficamente. Eu sempre soube que o amor é pele. Maior e mais extenso órgão do corpo humano.
Aproveito a noite para explorar seus recantos. Suados ficamos e os ideogramas se dissolvem. O amor empolgado constrói mudanças internas e externas. As pernas inferiores do desenho, ficam em apenas três pingos. É o coração. 心, xin. E sem pernas nos quedamos, apaixonados.
O som da água lá fora nos atrai e quanto mais nos misturamos na sanha de nossas sedes, mais figuras aparecem em nossos corpos. O quadradinho se vira e apenas um traço o completa. É a liberdade. 自由, zì yóu. De braços abertos repetimos o contexto olhando para cima.
A chuva cai solenemente. Ela é lenta, parece conspirar juntos com os namorados e adiar a chegada do dia. E nos beijamos com o doce do céu e numa lambidinha lateral ela captura o sal do meu suor. E as tintas pretas e azuis que marcamos duplamente formam outro ideograma, é a verdade. 真理 , zhen li. Deitados no chão, nossos braços e pernas entrelaçados escrevem um amor eterno.
Pára de chover. Dissolvem os riscos que fizemos e apenas uma marca permanece. A beleza; 美, mei. Acredito tanto nisso, nas formas que o amor constrói, que quando durmo sem ela uma nova chuva me renova e chama. E sei que onde ela estiver, figuras únicas se formarão com seu corpo e o meu. Até que um dia ambos, unidos, fundir-se-ão na água fluida e eterna do casal.
JB Alencastro