O teatro existencial

Gostaria de acentuar, antes de tudo, que o que vai ser escrito aqui não contem em si a verdade – mas se baseia significadamente nela – dado ao fato de que o fato em si é em demasia descomposto, quando, principalmente, se tem um visão magnífica sobre o acontecimento.

Cheguei mais cedo do que deveria e fui à frente do teatro – não poderia deixar de comprar um ingresso na primeira fileira. Sentei e coloquei-me a esperar com a vastidão dos meus pensamentos, que sempre me proporcionam bem estar, e são em si a melhor companhia que nenhum humano pode proporcionar. Aos poucos o teatro foi se enchendo, pessoas de diversos lugares se colocavam a ver o que aquele físico tinha a falar, se era algo realmente importante assim. Às 7 em ponto lá estava ele – nada de surpreso, pois Soren sempre foi extremamente pontual – com seu terno preto, parecendo que mostraria mais uma péssima notícia do que uma novidade em si. E assim começou a falar desta forma:

Antes de tudo gostaria de vos contar uma história, que eu tive a extraordinária chance de presenciar e sei que não pode ser contada por outro boca, a não ser a minha. O personagem principal da história – dado ao seu modo de ser ou de pensar – certamente nunca se colocaria a conta-la, ainda mais diante de um público, que eu sei que é sua rejeição.

Algumas pessoas riram, outras acharam estranho o motivo dessa história, mas o deixaram prosseguir.

Certa vez estava eu em minha casa a pensar sobre o Ser e o Não-Ser e analisar, enfim, se apesar de desfeitas as teses de Parmênides não teria algum consenso no que ele dizia, afinal, se o Ser-Total não pode ter um Ser-Superior, o que em si seria a origem? Dado ao fato que ele nega a existência do Ser acima do Ser? Mas isso, por enquanto, não vem ao caso. O que vem ao caso era que eu decidi sair pra arejar a cabeça, e fui à casa do Tenório, ver se poderíamos conversar.

- Ao chegar lá fiquei um pouco à frente de sua casa, vendo se ele aparecia – como vocês sabem, Tenório odeia o barulho, abusar de sua companhia seria, talvez, acabar com um raro bom humor, e eu não podia desperdiçar isso pra mostrar minha tese. Tenório saiu por acaso e não me viu, pois eu estava sentado atrás da mangueira que ficava em frente a sua casa. A rua nesse dia estava estranhamento movimentada, porém silenciosa. Ele foi andando com pressa, como se tivesse algum fato inadiável a resolver, e eu resolvi o seguir, pra saber do se tratava. Entendam: não que eu queira achar erros no meu guru; desejava apenas descobrir um dos mistérios que rodava aquela mente perturbada, pra, quem sabe, ajuda-lo (ainda que eu sei que ele não iria aceitar isso)

- Cruzamos umas duas ruas até que Tenório parou, virou pra esquerda e entrou em um bar (que, por sinal, era terrível, parecia mais uma casa de abandono a um lugar que, supostamente, as pessoas iam para se divertir). Ele entrou, sentou-se em uma mesa que tinha 4 lugares, tirou de seu bolso um livro e pôs-se a ler. Eu pensei primeiramente em falar com ele, sentar junto a ele na mesa do bar, todavia, minha curiosidade era imensa, e o olhar dele era como o fogo trancado – queria fortemente queimar, mas estava preso, profundamente preso. Pouco tempo depois sentou-se à mesa um velho mendigo, de aparência abominável. Eu não sei da onde Tenório o conheceu; sei que nunca tinha o visto antes. Os dois se cumprimentaram, e então o velho pôs-se a dizer:

- Ora, como posso ver, tu, apesar de sempre mudar, nunca muda, amigo Tenório

E tu não acabará enquanto não destruir minha completa personalidade desejando criar um personagem que, como tu sabes, nunca irei ser; sou o que sou, ó amigo, e o quero pra mim. Há algo de muito errado nisso?

O velho sorriu e disse: - Não, claro que não, quem seria eu pra contrabalancear um sábio?

Tenório mostrou seu rosto de uma feição que eu jamais vi se mostrar pra alguém, não sabia quem era aquele velho, muito menos o que deseja, sei, somente, que suas palavras eram como flechas, não flechas comuns, flechas pra fantasmas, pois nunca vi nada que pudesse afetar Tenório de tal forma.

Que me dizes tu Sebastião? Tu que sabes que de sábio nada tenho.

Não fale tal besteira, poucos conseguiram alcançar o estado de felicidade que, como você mesmo diz, é constante, e ainda assim procura sempre crescer na vida – pois sabemos que o homem completo nunca seria um homem.

- Que sou eu de sábio? Que entendo eu da vida? Olhe pra ti, sebastião, não leste metade das obras que li, nem sabes metade do que sei, ainda assim tu és o homem mais feliz do mundo. Como querem, desta forma, dizer que não existem coisas inatas? Tu és a prova viva disto!

Deixa-me ser suficientemente grande pra saber a hora de me curvar pra alguém ainda maior. Dizei-me, ó verdade, é possível ser feliz?

- Você e suas concepções filosóficas... Eu te digo – ainda que não seja eu a verdade – é possível ser feliz. E tu és Tenório, e eu te digo: que importa o método pra se alcançar a felicidade? O importante é em si ser feliz.

Desculpe, mas discordo completamente de seu ponto de vista. Ambos sabemos que não existe nenhum Deus, e que nenhum céu nos aguarda. Onde está nosso conforto? Onde vive nossa paz, ó homem de Deus que descrê o próprio Deus? Não matamos porque somos suficientemente nobres pra ser tão porcos assim. Mas digo-te, e se matam e são felizes? É fácil em demasia ganhar a vida eliminando quem te afliges, ou não? Mas se tu mata teus inimigos, que de grandeza a nisso? Ninguém assim achou a felicidade, apenas se iludiu. Ambos não temos deuses, ambos não temos paraísos, mas que importa tudo isso? Que a de lógico na vida que precise da própria lógica?

- Você, como sempre, com suas posições e contraposições em um mesmo argumento. Como tu disseste, quem acha que sou feliz assim, iludiu-se, e nada importa no final que não a felicidade. Tu é ti mesmo Tenório, entendes isso, não precisas procurar o que já achou. Agora devo-me ir, as pernas me cansam a idade que já não tenho mais. Que Deus esteja convosco.

- Certamente Sebastião, só sendo suficientemente grande como tu para ser Deus de si mesmo. Queria eu ser esse Deus que tu é. Mas, apesar de me mostrar rude, sou – no desprezo da palavra – bastante humilde pra ver que tu és um gigante, e não transformar isso em uma pequena estátua. Até mais, amigo, nos vemos em uma próxima.

Diego Guimarães Camargo
Enviado por Diego Guimarães Camargo em 27/03/2008
Código do texto: T918302