História de Chuva: FINAL DE FUTEBOL

“Final de Futebol”

Finalmente chegou o dia. Meu time classificou aos trancos e barrancos. É março, as aulas já começaram. Mas depois do almoço sempre tem uma bolinha. Esse negócio de ficar esperando um tempo pra jogar futebol é besteira. Ou vocês não vêem os peixes comerem e nadarem ao mesmo tempo? E olha que natação é muito mais pesado que bola.

Hoje é só treino. O Alberto veio, o Léo, o Cláudio, o Pauleca, o Marquinhos, o Ali, o Chico, veio todo mundo. O time do Externato está completo. Graças! E eu, o JB, ponta-esquerda nato. Hoje em dia nem existo mais. Não tem ponta, nem lateral, só ala. Onde já se viu?

São sete na linha e um no gol. Vai ser bom. Tenho certeza. O meião é branco, minha mãe diz que suja. Foda-se. O calção também o é. Só a camisa é que é branca e preta, do Vasco. Eu detesto o Vasco, sou Flamengo. Mas o Léo tinha dinheiro e comprou o jogo de camisas do time dele, fazer o quê? O dono da grana é o dono da camisa. Ainda bem que o Léo é atacante e bom. Já pensou se fosse perna-de-pau e ainda mandasse no time?

Rola a pelota. O Alberto dá aquele driblezinho curto dele, todo mundo sabe, mas o cara do outro lado, não. Sempre cai. Toca para o Pauleca, ele, meio gordo e molão, passa pra frente. O Chico, com toda sua classe peculiar, mata no peito. E baixa a bola no chão. Levanta a cabeça, craque só joga de cabeça levantada. Brum! Bruuuuuuuuum!

Um trovão estrondoso. Nem vimos que o céu escureceu todinho. São três horas da tarde e vem aquele vento gelado. A correria aumenta. A galera fica louca com a possibilidade da tempestade. Pois não tem coisa melhor do que jogar bola na chuva. A gritaria é grande.

Aí acontece o improvável. O time da final chega. Só pra treinar, dizem eles. Não há par ou ímpar, nem nada. Somos nós para um lado e eles para o outro. E a chuva armando no horizonte. Tá fechando o verão. Tem pau, tem pedra. Hoje é o fim do caminho.

Vendaval vem levantando o molhado da terra. Cheiro bom. Cheiro de vida. O campinho é de grama, exceto no chiqueirinho do goleiro e no meio-de-campo. Lá é muito pisado. Respiro fundo, tô correndo como um louco, o lançamento do Ali é para mim, depois da boa catada do Cláudio.

A chuva começa sem dó. Pingos grossos nas costas. Eu não tou nem aí. Meu pique aumenta ainda mais. Sei que não vou conseguir alcançar a bola lá na ponta. O zagueiro vai chegar primeiro. E daí? Dou um carrinho. Uma das melhores coisas da vida é um carrinho bem dado. Principalmente na chuva, principalmente arrancando grama com a chuteira e derrubando o adversário. Foi o que fiz.

O cara levanta e me xinga. Estou no chão, se ele bicar vai doer demais. Mas o Marquinhos vem e dá um empurrão no palhaço. Outro chega por trás cobrindo o Marquinhos de porrada. O Cláudio, grande goleiro, já chega na voadeira. O tempo fecha.

A tempestade está caindo sem dó. E o pau quebrando. Sou magrela, mas sou rápido. É pernada pra todo lado. O Pauleca pisa na poça provocando e jogando água em todo mundo. O empurra-empurra vai se generalizando. Nossos reservas, foram embora quando o time do contra chegou. Estamos sós. Mas macho que é macho, não afina.

Um raio estala bem perto e clareia tudo. Até as luzes dos postes recém colocados acendem. O barulhão dos trovões vai ensurdecendo a todos. Os pingos agora incomodam. E o pau quebra.

Nem sei onde estou dando e nem de quem estou levando. Quando vejo estou rolando na grama e no barro com o Tonhão, meu grande inimigo. E tou batendo! Minha boca mela, tudo bem. Minha mão tá doendo, tudo bem.

Levanto-me e observo meu time esfolado, arrebentado e a chuva desgraçada caindo. Mas os outros estão piores. Bem piores. E somente agora que eles se dão conta. Nós partimos pra cima. E a surpresa final acontece.

Treeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeec. Treeeeeeeeeeeeeeeeeeeec. Cabuuuuuuuuuuuuuuuuum!

Cabrum! Pou!

- Ai! Ai! AI!

Um raio hediondo cai no meio do campo. Tomamos um choque violento. Alguns até caem novamente no chão. Os cabelos se eriçam. A correria agora é sem rumo. A maioria vai pra casa.

- E aí filho, que chuva einh?

- Phoodda, mãe.

- Que é isso filho, isso são modos? Vai tomar um banho que você está imundo.

- Desculpa mãe, mas hoje já tomei.

E deitei-me na cama, de chuteira e tudo, me arrependendo imensamente de ter topado aquele treininho besta que virou um jogo bom e depois uma chuva louca. Só o estralo é que não estava nos planos. Por que é que não fui ver a Aninha, par eu parar de ficar chovendo no molhado?

JB Alencastro

JB Alencastro
Enviado por JB Alencastro em 26/03/2008
Código do texto: T917475
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