"Poeta, Cantor, Compositor e Pedinte" = Baseada em fatos reais=

Ele sempre chegava com jeito de quem não queria nada. Mas querendo tudo. Queria cama, comida, atenção, enfim, tudo que um ser humano normal deseja ao chegar de viagem ou enquanto está viajando. Só o que ele não queria nunca, de maneira alguma, que não aceitava em hipótese alguma era ter qualquer tipo de despesa, a qualquer título ou por qualquer motivo. Pressentindo que alguém falaria em fazer uma “vaquinha” para uma pizza, ele voava, sumia no ato, ia para o banheiro, para a rua, para qualquer lugar, e só voltava quando percebia que o perigo passara. Aí sentava e procurava comer mais que todos os outros, os pagantes, os trouxas.

Agiu dessa forma com toda minha família. Dormiu e comeu na casa de todos meus irmãos e na de meus pais. Até que chegou a minha vez. A vez em que fui escolhido para abrigá-lo.

Ele chegou, sentou, aceitou um cafezinho, bateu papo, contou casos, riu muito, foi bastante agradável em seu papo divertido, mas nada de ir embora. Lá pelas tantas, depois de muitos rodeios, perguntou-me se eu me importaria de hospedá-lo por uns dias. Respondi que me importaria sim, e muito.

A cara de espanto que ele fez era a de quem não estava acostumado a recusas. E havia atrevimento na voz quando ele me perguntou porque não poderia deixá-lo dormir em minha casa. Não neguei a ele minha habitual franqueza:

- Simplesmente porque eu não quero. Não quero, não gosto, não vejo motivo para deixá-lo dormir e comer aqui às minhas custas. Ainda mais que todos meus cinco irmãos já disseram que você é do tipo que não se toca. Que é quase preciso expulsá-lo para ir embora da casa da gente. Do tipo que vem, se aboleta e não quer mais ir embora.

- Você não pode dizer uma coisa dessas, Fernando. Eu nunca fiquei em sua casa antes...

- Nem antes nem depois.

- Somos amigos há tanto tempo...

- Amigos uma conversa, meu chapa. Você não tem amigos. Você tem conhecidos pelo Brasil todo com a finalidade de comer e dormir de graça enquanto vende seus livros de poesia, seus discos, e ajunta seu dinheiro. Mas às minhas custas, não.

- Só por hoje, não pode ser?

Tive que rir. O cara não se tocava mesmo. Era cara-de-pau ao extremo.

- Não. Nem só por hoje, nem só por agora. Nem apenas por uns minutos. Deu pra entender ou quer uma cartilha?

- Fernando, sinceramente, eu nunca imaginei que você fosse tão miserável assim...

- E eu sempre imaginei que você fosse um miserável. Fico até admirado ao ver o quanto você sabe ser pedinte. Desavergonhadamente. Ganha seu dinheiro, tem seu carro, tem suas casas, tem seu trabalho reconhecido e faz qualquer papel pra economizar às custas dos outros. Ou pensa que me esqueci que na casa de meu irmão você sumiu quando lhe pediram para colaborar com uma coca dois litros depois que nós pagamos as pizzas?

- Foi coincidência. Eu me lembro que precisei ir ao banheiro naquele dia.

- Banheiro em que bairro de São Paulo?

Dando-se por vencido, praticou sua vingança maior:

- Faça o favor de devolver-me o disco que lhe dei quando cheguei.

- Claro, claro. Com todo o prazer, meu chapa. Assim você me evita o trabalho de jogá-lo fora quando for embora.

Ele se levantou demonstrando que estava furioso, ajuntou sua tralha, jogou-a ao ombro e saiu como quem ia bater a porta com violência.

- Se bater a porta a gente sai na porrada.

Ele fechou a porta bem devagar e nunca mais apareceu. Nem em minha casa nem na de meus irmãos e pais. Custou, mas se tocou...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 26/03/2008
Código do texto: T917412
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