A sala de aula
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Estou sentado na última carteira da coluna da direita. É hora de prova. Os alunos estão temerosos, apreensivos. Afinal, é prova de Matemática: Trigonometria.
Resolvi aplicar uma prova além das previstas no calendário escolar. Agora os observo, enquanto ainda copiam as últimas questões. O levantar e o baixar de cabeças lembra um balet anacrônico, mas interessante. Os movimentos das cabeças copiando, olhando para o quadro, voltando a copiar...
O quadro... O caderno – é extasiante. Já parou para observar como é engraçado esse frenetismo discente? Não! Mas você não é professor!? Nunca percebeu isso!?
Estão me procurando.
Os alunos das primeiras carteiras parecem muito mais à vontade: gesticulam, mexem de um lado para o outro – pendulando. Pensam que sumi; os mais próximos não ousam movimentos tão bruscos.
Existirá algo de errado com o teto? Por que alguns olhares estão sempre voltados para o alto? Talvez tentem buscar soluções lúdicas para os seus problemas, e que problemas!
– Professor?
– Eu.
– Na quarta questão, é seno de B?
– É. Ei, olhe pra frente, rapaz! Alguma dúvida? Atenção, turma. Qualquer pergunta dirijam-se a mim. Não quero ouvir conversas difusas e/ou paralelas, entenderam?
– Já pode entregar?
– Só a partir das dez e meia.
– Não fiz nenhuma questão, professor. Não sai nada.
– Tente mais um pouco. Enquanto isso, aguarde o momento de entregar.
Penso nos “tipos” exóticos e peculiares da sala, de todas as salas. Encontramos o palhaço, o sonso, o feio, o gordinho, o “cdf”. Todos se confundem agora. O silêncio os nivela, eliminando as nuanças... Ah! Esqueci do tímido, perdão.
O palhaço da sala está tão tristonho. Será que não consegue brincar na hora do verdadeiro show? Talvez não seja este o seu tablado, o seu palco iluminado. Luzes, agora, apenas as do teto que ele insiste observar.
O sonso olha para os lados. Foi a atenção dele que chamei quando pedi para que olhassem para frente.
O feio e o gordinho estão ladeados. Olhando-os, assim, tento compensar os excessos de ambos. São excelentes pessoas: este é engraçadíssimo (e não palhaço); aquele, lacônico e esquivo (e não sonso).
Ah, o tímido. Está ao meu lado, bem à minha esquerda. Não o vi ainda escrever nada. Será que minha presença tão próxima o incomoda, impedindo-o de escrever?
Vou dar uma rápida passada em torno da sala, talvez o liberte do sofrimento. Paro exatamente à direita do “cdf”, um pouco atrás. Vou observá-lo. Está alheio a tudo. Desde que recebeu a prova não pára de escrever: risca, rabisca, refaz cálculos, demonstra teoremas. Está desenvolvendo a expressão genérica para o cálculo do ângulo entre os ponteiros de um relógio. Não se contentou com a minha demonstração, quer fazê-la na prova, deixá-la gravada do seu modo.
– Já pode entregar, mestre?
Mestre? É incrível como o professor passa a ter importância na hora da prova! Esse aluno nunca me havia chamado assim. Passa a aula inteira dormindo! Agora sou o mestre! Mestre?
– Sim.
Muitos deles se erguem e partem em minha direção aos atropelos, como uma manada sem direção.
– Calma! Calma! Um de cada vez.
– Que prova horrível!
– Não estudei nada.
– Vou tirar zero.
– Silêncio! A prova ainda não acabou.
– Gostou da prova? – perguntam ironicamente ao “cdf”.
– Claro. Estava uma água! Demorei um pouco porque demonstrei tudo! Esse professor só passa prova fácil!
Faltam dez minutos... Faltam dois minutos... Falta um minuto...
– Atenção, turma! Acabou o tempo!
Após o fim do tempo de prova, recebo as provas dos últimos alunos. O palhaço me entrega a prova em branco, parece que não decorou o texto. O sonso, um tanto sério, entregou-me a sua também. O feio e o gordinho entregaram-me as provas num pacote só; eram duas boas pessoas, mas as provas estavam aparentemente péssimas.
– A prova acabou, digo, por fim, ao tímido. Ele se levanta, dirige-se até onde estou e, cabisbaixo, entrega-me a prova em branco.
Fortaleza-Ce, 05 de março de 1999.
Do meu livro 'Crônicas e mais um conto'.
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