Dona Florística e a língua

Era de Stanislaw Ponte Preta. Os seus olhos verdadeiros observatórios da vizinhança. Sua boca o eco das “coisas universais” untadas com batom borrado. Ninguém escapava das suas garras afiadas. Sofria de viuvez precoce o que é um quadro doloroso. Depois do seu homem morto, bem morto e enterrado, começou a sentir dores gerais. Separava as doenças em fixas ou temporárias. Enxaquecas eram temporárias. Dor no abdômen totalmente fixa. Casar novamente não queria para não enviuvar formalmente, mas vivia com Histrião relação discreta pela paixão ao primeiro sintoma.

Ia ao cinema sozinha para ver quem estava se passando com as meninas no escuro das películas. Passava depois no supermercado para o rancho moderado: arroz, massa instantânea, enlatados e saía de lá com alguma notícia sobre quem sustenta quem neste país.

- O João Pederneira vive uma vida regalada, vida de rei à custa de Madalena. Pobrezinha e ela com aspas!

Sua língua era tão grande que poderia passar um carro por cima dela. Logo se encaminhava para o palácio dos comprimidos. Supria suas inquietações com quilos de drogas multicoloridas que ora lhe excitavam e ora lhe deprimiam antes das novelas repletas de ricos. Todos eles vivendo os melhores momentos de fracasso subjetivo, como a dizer: viram? O dinheiro não é tudo na vida.

O farmacêutico era o seu traficante predileto, dizia sorrindo, amaldiçoando os jovens da rua que fumavam cânhamo na Praça Pedro I. Zombava do fumo que os rapazes compravam a tuta-e-meia para sorrir uns dos outros das orelhas e estrelas. Odiava essa alegria a preço de banana dos populares.

Tomava um pileque com misturas legais atrás das cortinas suspirando pela querida Leopoldina, coitadinha, morta por chute imperial. Depois dormia com medo da hipertensão. Uma hipertensão restrita a sua voz interior.

No outro dia as dores recomeçavam pelo joanete e subiam, subiam até lhe alcançar os joelhos. Comprou meias de lã para aplacar a terríveis e milenares dores nos joelhos. Dor intermitente que necessitava de massagem até a coxa para passar definitivamente. Dor semelhante às aparições de ascensorista no vai e vem do elevador.

Após a missa, redimida, carregava consigo amigas de idêntico perfil para a sala das futriquinhas, até que um dia de chuva, vento e frio, numa das animadas sessões de envenenamento, a louça de cristal começou a estalar uma a uma, gerando um pânico infernal.

Era um aviso do céu ou do inferno, não sei...