AS CHARRETES
A ia aquele animal de cascos duros, com passos treinados, andando ligeiro, no compasso do seu condutor, produzindo o som quase esquecido do “pocotó...pocotó...pocotó”, conduzindo sua carruagem rumo ao destino. Esse era o cenário dos filmes de faroeste que há muito figuravam nas telas dos cinemas e que já ficaram na saudade.
Também já ficou na saudade uma condução da década de 60 a 70, para a qual dedico um pouco de minha lembrança, pois a minha vida de menino foi abrilhantada por aquelas conduções indescritíveis da época, quando eu vinha para uma cidade mais progressista e bem perto das Rodoviárias, via-se as filas das afamadas charretes que ali aguardavam os viajantes.
Não eram veículos. Aliás, o acesso a um automóvel na época era muito raro e por isso existiam poucos táxis, mas muitas, muitas, Charretes, cada uma mais empolgante e agradável que a outra, pois o seu proprietário se encarregava de dar-lhe contornos sofisticados, para agradar os fregueses. Eu gostava daquelas de cor azul, com pintura impecável, inclusive algumas continham pintura avançada para época, inclusive com verniz etc. A estrutura era encantadora, tinha uma cobertura nos mesmos moldes do antigo Jeep, com um material impermeável e que protegiam os passageiros de todas as intempéries. Possuíam um sistema de absorção de impacto avançado para a época, pois o passageiro ao embarcar numa charrete sentia-se inteiramente confortável, ante ao deslizar macio daquela condução de duas rodas. Geralmente os estofamentos eram de um luxo incomparável, algumas possuíam até veludo na sua constituição. Seu interior estava sempre bem arejado e com um cheirinho delicioso. Era um capricho total, pois possuía um amplo bagageiro que absorviam o maior número de malas possíveis. O trajeto era rápido, pois não existiam entraves maiores no trânsito, ante a pouca demanda de veículos automotores.
Não devo olvidar na tração movida a animal, geralmente conduzida por cavalos fortes, musculosos, bem tratados, com um trotear invejável e cada um deles exibia sua raça de puro sangue. A coisa funcionava mais ou menos como funcionam os táxis da atualidade, ou seja, os proprietários procuram comprar um veículo passante, com todo conforto possível, para que o passageiro se sinta à vontade no que diz respeito ao trajeto em si e ao bem-estar no interior da condução.
A saudade aflorou quando vi recentemente uma cópia de terceira categoria de uma dessas charretes, não sei se uma imitação, ou uma própria que se destruiu pelo tempo, mas que mantinha resoluta a sua imagem de um transporte coletivo que perdurou enquanto o progresso não se encarregou de alijá-la de nossas ruas, enquanto as cidades se agigantavam e davam espaços aos veículos automotores que hoje invadem nosso trânsito e nossa paciência, ante os engarrafamentos quilométricos que se instalaram na vida cotidiana das pessoas que vivem numa metrópole.
Hoje os passageiros menos favorecidos pela vida, são obrigados a percorrer grandes distâncias nas urbes em cima de um veículo perigoso e sem nenhum conforto; através dos chamados moto táxis, ou então, adentrar num metrô abarrotado de pessoas que numa batalha diária se amassam entre um espaço e outro para chegar no seu destino. Sem contar, as filas dos ônibus ou de Vans de aluguel que perambulam perigosamente pelo nosso frenético e obsoleto trânsito urbano.
Mas não é pecado, nem é proibido, aguçarmos nossas lembranças para revermos nosso passado e relembrarmos das coisas boas que um dia nos alcançaram como forma de recursos de uma época. É evidente que é completamente inviável colocarmos nas ruas uma charrete para fazer as mesmas coisas que faziam quando éramos meninos. No entanto, temos de nos curvar ante as razões do tempo, que além de produzir mais pessoas para o mundo, também obrigam que o mundo produza mais celeridade nos meios de locomoção, deixando-nos reféns de nossas saudades e de nossos caminhos que um dia foram percorridos de forma menos ardorosa.