Edifício Ipacaraí
Bom dia, bom dia. Bom dia, bom dia. Bom dia, bom dia. Bom dia. Bom dia, bom dia. Bom dia. Não vai pegar o jornal hoje, seu Nestor?
Souza era porteiro do Edifício Ipacaraí há dezoito anos. Sob a arquitetura quase vitoriana do prédio gelo, vendo pelo vidro fumê o jardim muito bem cuidado pela Dona Helena Cidral do 201, vira uma geração inteira nascer, crescer e passar por ele rapidamente. Inclusive os filhos do Nestor e da Dona Márcia, que eram dois.
Naquele domingo de manhã, o seu Nestor já saia do prédio sem pegar o jornal. Voltou ao chamado do Souza.
- Olha minha cabeça, Souza. Já ia esquecendo. E vamos ver se o nosso verdão desencanta hoje, né. Seis partidas já. Brincadeira.
Seu Nestor desceu apressadamente os degraus que davam pra rua Comendador Oliveira Ferraz e sumiu à direita. Foi viver para aqueles lados hoje. Normalmente vira para a esquerda, mas sendo domingo, pode ter ido à casa da mãe que é doente.
Só foi passar alguém por ali novamente às oito e quarenta e cinco. Seu Mário do 506 que foi comprar pão e cigarro. Mas não falou com o Souza, nem viu o bom dia.
Às nove e qualquer coisinha, desceram juntos o policial do 802 e o casal novo do 303. O policial saiu de moto e o casal a pé.
Às nove e quinze desceu a Dona Maria do Rocio de Alvarenga Pires, a viúva do Tenente Pires. Dessa sim o Souza gostava! Volta e meia ela descia com um bolo molhadinho, despedaçando-se no pote – não que o Souza gostasse dela por isso. Ela perguntava da vida dele, ao que ele respondia que estava tudo nos conformes. E ela dizia que estava bem também, e contava do neto que mora em Brasília e que está cada dia mais lindo.
Hoje desceu sem bolo, sem nada nas mãos, mas o Souza nem ligou. Era mesmo muito cedo pra ela ter feito bolo.
- Bom dia, dona Maria do Rocio.
- Bom dia, Souza. Como vai a vida?
- Tudo nos conformes. E por lá, tudo bem?
- Tudo. O Gabriel que vive aprontando, pra variar. Ontem falei com ele no telefone e ele disse que quer ver a vó.
Risadas cordiais do Souza, que já conhecia o Gabriel muito bem. Até gostaria de conhecer o menino, de tanto que fala a Dona Maria do Rocio.
- Escute, Souza, você trouxe almoço hoje?
O Souza satisfeito disse que só ia comprar almoço lá pelo meio-dia e meia, uma hora. E ela disse que então não fosse, que nesse horário ela já tinha alguma coisa pronta e traria pra ele.
- Não se incomode, Dona Maria do Rocio. Imagina.
- Pare de frescura. Eu sei que você gosta daquela lentilha com bacon.
O Souza gostava mesmo. Com arroz soltinho e um copo de coca, quem não gosta? Mas que a Dona Maria do Rocio não se preocupasse com ele, por favor.
- Quieto que você não se manda, Souza. Espere aí que mais tarde eu trago.
O Souza ligou o rádio e ficou esperando. Morreram seis em um tiroteio não muito longe dali, a filha da Xuxa fez qualquer coisa que ele não lembrava mais, o trânsito estava congestionado próximo à praça do Colono e ele, aquariano, deveria se entregar mais forte às paixões e viver situações novas. A cor é lilás, o número é doze e o animal já não lembrava mais. Macaco, achava.
Veio guaraná em vez de coca.
- Muito obrigado, Dona Maria do Rocio.
- De nada, filho. Interfone que eu busco a louça.