QUARENTA E CINCO ANOS
(Estou quase chegando lá...)
Finalmente estou chegando aos quarenta e cinco anos. Um dia isso me pareceu tão distante, que deitada, olhando as estrelas, pedi aos céus que me deixassem viver até os quarenta e cinco anos. Após o pedido, vi uma estrela cair, sinal de que seria atendida. Agora preciso refazer o pedido: quero um pouco mais e quem sabe multiplicar este número por dois, três...
Ao longo deste quase meio século, vivi intensamente. Acompanhei muitas transformações: quase morri de susto quando, passando pela sala em meu cavalo de pau, ouvi no rádio ABC Voz de Ouro, que o homem tinha chegado à lua, achei que fosse alguma brincadeira, mas meu pai me reafirmou que era verdade, só se falava nisso lá na cidade. Acreditei. Meu pai nunca mentia. Logo comecei a tentar descobrir um jeito de chegar lá também. Ouvi dizer que os militares haviam tomado o governo e a revolução mudaria o Brasil. Lá na fazenda continuou tudo igual. Cantei “Este é um país que vai pra frente” andando de costas, sem saber muito bem porque fazia isso, mas adorava. Vi um tio voltando triste e cabisbaixo porque o Brasil perdera a copa de 74. Não entendi muito sua tristeza: aquilo era ruim? Ainda não me apaixonara pelo futebol.
Anos depois chorei de emoção com o gol de Roberto Dinamite que nos encheu de esperança de continuarmos na copa e revoltei-me quando o Peru se deixou golear e mandou o Brasil mais cedo para casa. Vi Marabá- Pa ser invadida por garimpeiros ao ser descoberta a Mina de Serra Pelada e pessoas atordoadas com o volume de dinheiro que ganhavam da noite para o dia. Trabalhei na Vila dos funcionários durante a construção da barragem de Tucuruí – Pa e vi cenas de preconceito que me fizeram sentir vergonha da humanidade. Chorei vendo a reportagem sobre o fim do Salto de Sete Quedas em Foz de Iguaçu...
Na década de oitenta lutei pela volta das diretas, emocionei-me com os grandes comícios e cantei o hino nacional com Fafá de Belém. Chorei de decepção quando o projeto Dante de Oliveira foi derrotado, o mesmo Dante que recepcionei em Caicó, ao lado de Roberto Furtado e alguns líderes estudantis. Fui expulsa de um colégio por tentar criar um grêmio estudantil. Mas foi também nesta década que passei no concurso público para ingressar no magistério estadual, que comandei a primeira greve geral de meu município, que conheci minha alma gêmea e fui mãe. A década perdida (para os historiadores) foi a mais intensa em minha vida.
Acompanhei assustada as notícias sobre a descoberta da AIDS. Questionei sobre o primeiro clone humano, a liberdade sexual com a chegada dos anticoncepcionais, a aprovação do divórcio, a luta pelo aborto. Participei das comunidades Eclesiais de Base, li Dom Elder Câmara. Vivi a grande a seca nordestina. Acompanhei de perto a fome. Economizei banho. Chorei com a primeira chuva e deslumbrei-me com a primeira sangria da barragem de Açu. Lutei contra a vinda do lixo do césio 137 para Caraúbas, emocionei-me com o chinês que sozinho parou um tanque de guerra na praça vermelha, assustei-me com a explosão das usinas em Chernobyl, chorei a morte de Madre Teresa de Calcutá, vi de perto um Papa, assisti a um show de Pe. Zezinho.
Não pretendi fazer um relato histórico, por isso não me preocupei em colocar os acontecimentos em ordem cronológica, citei-os à medida que ia lembrando, apenas para enfatizar que me considero uma pessoa privilegiada, que viveu décadas de grandes privações, mas também de realizações. Boas ou más elas mudaram a historia, fizeram parte da vida de muita gente e eu sou uma delas.
Daqui a poucos dias apagarei quarenta e cinco velinhas. E aquela menina travessa, que viveu sua infância numa fazenda, conheceu televisão aos doze anos e o mar com dezenove, tem muito orgulho de ser o que é – alguém que se descobre diferente todos os dias, cheia de defeitos, tentando acertar, mas ainda errando muito, mas que nunca teve medo de viver e enfrentar seus monstros. Que tem o sorriso como marca registrada, embora chore com facilidade. Sou essa pessoa que vive tudo que acredita e luta incondicionalmente por sua felicidade.
* Da série: "Mulher Madura!?"
(Estou quase chegando lá...)
Finalmente estou chegando aos quarenta e cinco anos. Um dia isso me pareceu tão distante, que deitada, olhando as estrelas, pedi aos céus que me deixassem viver até os quarenta e cinco anos. Após o pedido, vi uma estrela cair, sinal de que seria atendida. Agora preciso refazer o pedido: quero um pouco mais e quem sabe multiplicar este número por dois, três...
Ao longo deste quase meio século, vivi intensamente. Acompanhei muitas transformações: quase morri de susto quando, passando pela sala em meu cavalo de pau, ouvi no rádio ABC Voz de Ouro, que o homem tinha chegado à lua, achei que fosse alguma brincadeira, mas meu pai me reafirmou que era verdade, só se falava nisso lá na cidade. Acreditei. Meu pai nunca mentia. Logo comecei a tentar descobrir um jeito de chegar lá também. Ouvi dizer que os militares haviam tomado o governo e a revolução mudaria o Brasil. Lá na fazenda continuou tudo igual. Cantei “Este é um país que vai pra frente” andando de costas, sem saber muito bem porque fazia isso, mas adorava. Vi um tio voltando triste e cabisbaixo porque o Brasil perdera a copa de 74. Não entendi muito sua tristeza: aquilo era ruim? Ainda não me apaixonara pelo futebol.
Anos depois chorei de emoção com o gol de Roberto Dinamite que nos encheu de esperança de continuarmos na copa e revoltei-me quando o Peru se deixou golear e mandou o Brasil mais cedo para casa. Vi Marabá- Pa ser invadida por garimpeiros ao ser descoberta a Mina de Serra Pelada e pessoas atordoadas com o volume de dinheiro que ganhavam da noite para o dia. Trabalhei na Vila dos funcionários durante a construção da barragem de Tucuruí – Pa e vi cenas de preconceito que me fizeram sentir vergonha da humanidade. Chorei vendo a reportagem sobre o fim do Salto de Sete Quedas em Foz de Iguaçu...
Na década de oitenta lutei pela volta das diretas, emocionei-me com os grandes comícios e cantei o hino nacional com Fafá de Belém. Chorei de decepção quando o projeto Dante de Oliveira foi derrotado, o mesmo Dante que recepcionei em Caicó, ao lado de Roberto Furtado e alguns líderes estudantis. Fui expulsa de um colégio por tentar criar um grêmio estudantil. Mas foi também nesta década que passei no concurso público para ingressar no magistério estadual, que comandei a primeira greve geral de meu município, que conheci minha alma gêmea e fui mãe. A década perdida (para os historiadores) foi a mais intensa em minha vida.
Acompanhei assustada as notícias sobre a descoberta da AIDS. Questionei sobre o primeiro clone humano, a liberdade sexual com a chegada dos anticoncepcionais, a aprovação do divórcio, a luta pelo aborto. Participei das comunidades Eclesiais de Base, li Dom Elder Câmara. Vivi a grande a seca nordestina. Acompanhei de perto a fome. Economizei banho. Chorei com a primeira chuva e deslumbrei-me com a primeira sangria da barragem de Açu. Lutei contra a vinda do lixo do césio 137 para Caraúbas, emocionei-me com o chinês que sozinho parou um tanque de guerra na praça vermelha, assustei-me com a explosão das usinas em Chernobyl, chorei a morte de Madre Teresa de Calcutá, vi de perto um Papa, assisti a um show de Pe. Zezinho.
Não pretendi fazer um relato histórico, por isso não me preocupei em colocar os acontecimentos em ordem cronológica, citei-os à medida que ia lembrando, apenas para enfatizar que me considero uma pessoa privilegiada, que viveu décadas de grandes privações, mas também de realizações. Boas ou más elas mudaram a historia, fizeram parte da vida de muita gente e eu sou uma delas.
Daqui a poucos dias apagarei quarenta e cinco velinhas. E aquela menina travessa, que viveu sua infância numa fazenda, conheceu televisão aos doze anos e o mar com dezenove, tem muito orgulho de ser o que é – alguém que se descobre diferente todos os dias, cheia de defeitos, tentando acertar, mas ainda errando muito, mas que nunca teve medo de viver e enfrentar seus monstros. Que tem o sorriso como marca registrada, embora chore com facilidade. Sou essa pessoa que vive tudo que acredita e luta incondicionalmente por sua felicidade.
* Da série: "Mulher Madura!?"