Enquanto as velhinhas rezam o terço...
Enquanto as velhinhas rezam o terço, a tardinha cai divinamente nesta esperança que seus olhos têm entre uma e outra ladainha.E a dor que elas aprenderam a domar, com o tempo se esconde atrás das cortinas, dos crucifixos ornados que ocultam o martírio daquele homem morto pelo próprio homem.
Elas emudecem o sofrimento na luz das velas acesas nos castiçais e que choram por elas em suas parafinas. E nem se dão conta do bailar das salamandras.
E em diferentes cantos das casas se erguem oratórios, sagrados corações - de Jesus, de Maria e os delas mesmas - imaculados por um só monossílabo: Fé.
Um marido morto, um filho perdido, pra vida ou pro vício, um parente doente, uma dorzinha incômoda, de corpo ou de alma e eis mais uma novena, uma eucaristia, um jejum, uma missa e uma promessa.
Enquanto os dedinhos enrugados das velhinhas perpassam as continhas dos terços, os dias, os meses e os anos se passam, atravessando o tempo como galope de uma oração. Inexorável, alheio, por vezes cruel...
No final pouco importa a graça alcançada ou não, a saúde recuperada, a missa rezada. Recomeçam o ritual com seus vestidinhos de casimira... As mãozinhas deslizando pelo rosário, ora descançam sobre as alvas toalhas bordadas. Alvinhas como a esperança, tão sutil e sabidamente guardada em seus corações como uma ave-maria.
Qualquer tristeza se esconde e elas apenas aguardam com resignação. O que esperam? Uma visita de filho ou de comadre. A chegada da prima distante. A cura. A graça. O findar da vida.
Enquanto as velhinhas rezam o terço, os olhos parados dos porta-retratos parecem sorrir. E, de vez em quando, elas fecham os olhos e suspiram um alívio ao fim de um mistério. E dormem tranquilinhas enquanto ninguém desvenda o irrelutável mistério da vida. Para este os anjos em seus sonhos tocam harpas e entoam salmos.