O senão do espetáculo da Folhinha
Ia para o trabalho a pé. Eram sete e qualquer coisinha. Peço que você me acompanhe daqui para frente.
Íamos para o trabalho. Eram sete e qualquer coisinha cinzenta. Sete e quinze, diríamos, de uma quinta-feira. As quintas, como sabemos ambos, têm qualquer coisa de mágicas. Merecem análise.
As pessoas que encontramos pela frente não me pareciam ter estrelas sob as cartolas. Pagavam a entrada mas não riam. Não aplaudiam. Não se espetaculavam.
Deixaram-nos próximo ao trabalho. Tínhamos de andar poucas quadras até ele. E foi aí que vimos juntos um menino sentado.
O menino tinha uns doze anos.
Ele vendia pães de queijo ou suspiros, um dos dois, embrulhados em plásticos finos. Pacotes prontos.
O menino estava sentado no meio-fio. E, frio, usava um gorro na cabeça. Preto e vermelho, pelo que lembramos.
De cabeça baixa, lia uma carta de amor. Folha com arranjos marginais, canetas de cores diversas, letra desenhadinha. Só Deus sabe quantas vezes já lera aquele bilhete.
Um dia ele vai chorar por ela. Se não por ela, por outra. Vai julgar-se o mais desgraçado de todos. Vai querer moer a cara do desgraçado que tem ela nas mãos, nos braços, dentro dela. E vai conhecer outra, se não ela.
Vai chorar por ela, um dia – se já não chorava, que estava de cabeça baixa. Mas aqui eu me despeço: só ele sabe deles. Eu, que só sei de nós, despeço-me. Antes que chore. Vou trabalhar.
Amanhã ele estará lá de novo. Em vez de acompanhar-me, fica com ele. Eu vou trabalhar, cuidar do meu pão-de-queijo de cada dia para o chorinho a mais ao final. Mas fica você. Procura a magia da sexta. Podemos descobrir o final às custas do suspiro embrulhado no pacote frágil.