PLÁGIOS...

O RELÓGIO

Nelson Marzullo Tangerini

Em 1933, os poetas e teatrólogos Nestor Tangerini e Luiz Leitão escrevem juntos a revista Tudo Pelo Brasil, encenada no Teatro João Caetano, no centro do Rio.

Um dos esquetes da referida peça tem sido apresentado na televisão, sem que os humoristas citem os nomes dos autores.

Como os esquetes de Tudo Pelo Brasil foram perdidos [roídos pelas traças, pelos cupins, pelos camundongos e desmancharam-se com o tempo], faço um breve resumo do texto supra citado:

“O marido e esposa estão sentados no sofá da sala. Ele lê o seu jornal, enquanto ela tricota. Em dado momento, entra a sogra, que vem de um outro cômodo da casa. Passa por debaixo de um arco e o relógio, um cuco, na parede, quase lhe cai sobre a cabeça e esfacela-se no chão.

A esposa, indignada, nervosa, diz ao marido:

- Querido, por pouco o relógio não cai na cabeça de mamãe.

E o marido, sem tirar os olhos das letras, responde-lhe:

- Este relógio anda sempre atrasado.”

Muitos esquetes e sonetos de Nestor Tangerini vêm sendo plagiados por “inspirados” humoristas, que se acham os “donos da cocada preta”. Nada lhes acontece. Certos da impunidade, dizem que não posso provar que este ou aquele texto era de meu pai.

Faz já muito tempo, um humorista brasileiro transformou um soneto, “No Candomblé”, de Nestor Tangerini, publicado nas revistas Royal-Revista, Niterói, RJ, julho de 1924 e Ilustração Fluminense, Niterói, RJ, 1928, e no Jornal do Comércio / Suplemento JC, p. 1, Manaus, AM, domingo, 1/3/1987, em piada, num programa de televisão. Enviei cartas à apresentadora. Não me respondeu. Procurei a SBAT, Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, da qual meu pai era sócio. E o cidadão, arrogante e audacioso, responde-me – em “português ruim”:

- Parece que o seu problema é dinheiro.

Respondo-lhe:

- Não, não é dinheiro, Sr. Humorista. O texto é de meu pai, Nestor Tangerini; não é seu, e o senhor tem de respeitar o autor.

Eis o soneto:

“Começam-se os “trabalhos”. E a Chandoca,

viuvinha suculenta e vaporosa,

ao médium se chegando, fervorosa,

o espírito de seu defunto invoca.

Ao som de uma cantiga langorosa,

estrebucha o “aparelho”, se desloca;

e Cornélio, baixinho, a terra toca,

a dizer qualquer coisa em voz nervosa.

Fala a viuvinha, em tom mavioso, terno:

- Como te demoraste!... Estás no Inferno?...

- Inferno lá por cima?! Isso é irrisório...

- Então és bem feliz... – Mais que contigo.

- É tão sublime o Paraíso, amigo?

- Não sei, Chandoca, estou no Purgatório”.

Sozinho, venho tentando salvar a obra e a memória de meu pai. Muitos têm elogiado meu denodado esforço, como o escritor Renato Vivacqua. Não consigo espaço nesta mídia obtusa e denunciar o que vem acontecendo: plágios, sumiço de esquetes e matérias e biografias com erros que prejudicam Nestor Tangerini.

O mais lamentável de tudo é que tenho parentes na mídia e que poderiam me abrir as portas. Parentes que nada fazem para que este quadro se reverta. Orgulhosos e pedantes – o sucesso modificou a personalidade dessas pessoas que estão mais preocupadas com o próprio umbigo e com o dinheiro que ganham.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, fotógrafo, compositor, poeta e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.

n.tangerini@uol.com.br, tangerini@oi.com.br, nmtangerini@yahoo.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 23/03/2008
Código do texto: T913368