EU ESCOLHO.......
Antonio levantara-se mais um dia sem saber, se ao retornar àquela cama à noite, sua busca por trabalho terminaria. Chovia e as nuvens prenunciavam um longo dia úmido e complicado para quem tivesse que enfrentar o trânsito e o mal-humor coletivo.
Sara, sua esposa dedicada e companheira por mais de 20 anos de casamento, lembrou Antonio que a conta de telefone estava atrasada e já haviam recebido uma notificação pelo desligamento em caso de mais atrasos.
- Sara, não se preocupe, pois aquele trabalho de pesquisa para Henrique será pago hoje.
Ele sabia que aquelas palavras acalmariam sua esposa e suas filhas.
A dedicada esposa lhe conforta com um beijo e diz que aquilo logo terminaria, afinal qual seria aquela crise? A décima, a oitava....não importa.
As filhas, uma de 15 e a outra com 10 anos, olham para o pai e dizem que elas sonharam com uma fada e que as coisas iriam se resolver prontamente. O mesmo sonho com as duas meninas, na mesma noite? Algo realmente incomum.
Antonio olha para Sara, e regozijam-se pelo ato de amor que acabaram de experimentar. Elas inventaram aquela história para incentivar o pai. A educação um pouco mais dura que a normalmente dada hoje em dia, começava a mostrar os resultados de tanto esforço.
"O laço familiar é invisível, porém mais forte que a própria morte. Somos irmãos energéticos, infinitos e imortais." Essas palavras ressoavam na cabeça de Antonio já há dois dias, e o pior é que ele não lembrava de onde. O stress minava a atenção de Antonio.
Antes de Antonio se despedir das filhas e esposa, Sara lhe interrompe e disse que se ele voltasse mais cedo, ele poderia saborear um delicioso e inconfundível bolo de fubá, com sementes de erva-doce aos montes. Antonio diz que faria o possível e até o impossível para chegar antes do por do sol.
O ônibus das 7:11 já havia passado e o seguinte geralmente vinha mais lotado que o normal. Antonio se conforta com as cenas daquela manhã tão singular e cheia de amor com as filhas e a esposa. O trânsito parou em frente ao ponto e podia-se notar os rostos já nervosos pelo começo de mais um dia stressante.
De dentro do carro, Guilherme reconhece o antigo vizinho e pára o automóvel ao lado do ponto de onibus.
- Hei, Antonio.....Antonio aqui, dentro do carro.
Antonio lembrava-se muito bem dele. Por anos foram vizinhos de porta no edifício de apartamentos de classe média, no bairro paulistano de Santana . Guilherme tinha um dívida de gratidão com Antonio, visto que seu irmão de porta, havia-lhe ajudado por quase um ano, 3 vezes por semana a melhorar a fluência em inglês, hoje tão imprescindível quanto informática, ou no passado a datilografia. Antonio jamais lhe cobrou pelas aulas, mas Guilherme fêz uma promessa a seu mestre. Que logo que ele pudesse ele lhe pagaria com juros e tudo.
Guilherme, por ter casado tão cedo, sabia muito bem o peso da responsabilidade e como aquilo havia mudado sua vida em termos de crescimento pessoal. Ele não só amava muito seu filho, como também a jovem e bonita esposa.
Dois anos se passaram entre esse encontro naquela manhã chuvosa e o dia em que Antonio teve que sair do apartamento pela alta carga das prestações vencidas e do condomínio cada vez caro.
- Entra no carro seu Antonio!!!......... Olá mestre!!!!! Tudo bem com o senhor?
Antonio sentia sinceridade nas palavras dele e abriu um largo sorriso.
- Como você está, Guilherme? Outro dia pensei em você. Lembrei da tua dificuldade com as preposições em inglês e como você melhorou em tão pouco tempo. Disse Antonio com certo orgulho pelo seu pupilo.
Antonio jamais lhe cobrou a dívida, pois ele sentia uma honestidade latente nele, e sabia que algum dia a promessa seria cumprida.
- Puxa seu Antonio, há quanto tempo....acho que uns dois anos!!!!
- Acredito que sim Guilherme, uns dois anos.
Conversaram algumas amenidades enquanto o trânsito não dava sinais de melhora. Numa dessas paradas, Guilherme pergunta ao seu amigo como ia o trabalho. Antonio meio sem jeito diz que estava desempregado havia um ano e três meses.
Guilherme se compadece do sofrimento e diz a Antonio:
- Não sei se o senhor vai acreditar ou não, mas ontem, uma pessoa na rua me deu um cartão e disse-me:
- Você deverá dar essa cartão à primeira pessoa que realmente necessite de ajuda, de uma mão amiga. Ele só funciona para quem recebe o cartão e somente para quem realmente precisar. Qualquer possibilidade fora essa, não terá efeito e você será responsável pela infelicidade de outro. Portanto ouça seu coração quando for decidir a quem dar-lo
Gulherme achou engraçado e pôs o cartão na carteira.
-Que mal faria eu em ajudar alguém, mesmo não sendo verdade essa história? As vezes acreditar em algo é mais importante que tê-lo! Pensou Guilherme naquele momento.
- Como o senhor pode ver, há só o endereço e um horário pré marcado. Assim dizia o cartão:
Rua das Herbáceas, 888, 17 andar, conjunto 1700. Horário: 16:04 - Qualquer dia da semana.
Guilherme entrega o cartão a Antonio e diz que sentiu sinceridade no velhinho que lhe dera o dito cartão no dia anterior àquele.
Antonio agradece pelo ato de bondade e diz que irá até esse lugar. Guilherme anota o celular em um cartão e entrega-o ao mestre.
- Seu Antonio, por favor, anota seu telefone e endereço aqui, depois eu passo para a agenda.
- Não sei porquê, mas já me chamaram três vezes do escritório!!! Tanto tempo sem a gente se falar e não ia ser um telefone que ia nos interromper, certo professor?.
Antonio concorda e sente-se respeitado pelo ex-aluno dedicado.
O dia é longo e cansativo, mas Antonio ainda tem forças para ir até aquele endereço, e o faz rápido para não chegar atrasado em casa.
Tratava-se de um prédio comercial, com 26 andares e inaugurado em Agosto de 2006. Antonio chega a recepção e entrega seu documento para cadastramento. Um senhor com rugas por toda a face lhe atende e pergunta-lhe onde ele pretendia ir. Mostra-lhe o cartão recebido de seu amigo e com uma mudança brusca no semblante, o velhinho com aquele pequeno pedaço de papel na mão direita, pega o telefone e fala com alguém, com um tom de voz um tanto baixo para uma questão tão corriqueira. Entrega o cartão de volta para Antonio e lhe indica o elevador a tomar: o último do lado direito.
Aquele elevador atendia somente os últimos andares, e nessa viagem vertical, ninguém adentrou no elevador para acompanha-lo. Foi rápido, não mais que 20 segundos, até que as portas se abrem e Antonio busca a sala 1700. Havia algo estranho naquele corredor. Não haviam placas nas portas, nem mesmo o números das salas. Antonio se sente enganado, algo como uma brincadeira de quem não tem o que fazer. Depois de caminhar todo o corredor, ele decide ir embora, afinal um bolo quente e delicioso o esperava. Quase chegando aos elevadores, uma porta se abre. Naquele momento uma voz quase angelical diz:
- Dezesseis horas e quatro minutos, conjunto mil e setencentos. Favor entrar e aguardar ser chamado. Fique a vontade e aproveite nossa água ou chá.
Era uma sala de espera pequena, com apenas uma poltrona confortável e uma mesinha com água e chá. Na porta que deveria dar acesso a sala, uma pequena tela de LCD indica:
Conjunto 1700 - horário: 16:04.
A porta se abre, e uma voz grossa, porém clara diz:
- Senhor Antonio, favor dirigir-se ao assento à sua frente e aguardar.
A sala não possuía muitos móveis, apenas uma mesa de mogno com vidro, um calendário e uma pasta sobre a mesa.
Um homem alto entra na sala e senta-se de frente a Antonio e diz:
-Você recebeu um cartão de alguém conhecido?
Antonio prontamente responde que sim.
- Essa pessoa é familiar seu, mesmo distante?
Sem motivos para mentir, ele diz que não. Que ele havia sido dado por um vizinho que não via há tempos.
O homem encara Antonio, como se buscando algo no semblante cansado dele. Após alguns segundos ele pega a pasta que se encontrava na mesa e a lê por alguns segundos. O homem fecha a pasta e diz:
- Senhor Antonio, o senhor foi escolhido, por razões que aqui não vêm ao caso, para receber uma dádiva. Esse presente tem um preço. O tempo é teu inimigo, pois tens somente 5 minutos para decidi-lo e sem a prerrogativa de qualquer chamada telefônica. Deseja continuar?
Antonio diz que sim. Afinal que mal poderiam fazer-lhe?
- A partir deste momento, nada poderá ser dito a quem quer que seja, em qualquer tempo, do contrário tudo o que você conquistar se perderá em pouco tempo. Acredite que podemos fazê-lo, seja onde for e quando for.
As pernas de Antonio bambeiam, mas ele vai em frente.
- Senhor, estou disposto a continuar.
O homem olha profundamente nos olhos de Antonio e diz:
- Sabemos de sua dificuldade financeira há anos, das dívidas que nunca diminuem, portanto lhe proponho o seguinte trato: no máximo em quatro horas, você poderá ter uma fortuna de 30 milhões de reais, depositados numa conta do banco indicado por você. Desde agora até a sua morte você não terá mais problemas financeiros, ou de qualquer outra ordem material. Sua vida será como a de um rei , porém sem trono.
Sara vai morrer de rir de mim quando lhe contar o que está acontecendo, pensou Antonio.
O homem bate na mesa e diz:
- Você acha que eu estou brincando? Olhe ao seu redor. Você acha que há alguma camêra oculta? Um microfone escondido? Isto é sério e depende de você mudar a sua vida.
Antonio percebeu que aquilo não parecia uma brincadeira e sorriu sem jeito.
- Vamos ao preço deste presente: se você decidir aceitar minha oferta, ou seja, dinheiro, conforto e segurança para o resto da vida, a partir deste momento você não verá mais sua família. Eles serão levados a outro lugar, com todo conforto que você também terá, mas em hipótese nenhuma vocês se verão novamente. Aceitando as condições, tudo será explicado aos seus entes queridos e as regras desta nova vida. Qualquer tentativa de reencontro será punida com a perda de tudo o que lhe foi dado.
Jamais Antonio havia passado por tamanha prova. Por alguns momentos ele não sabia o que dizer. Tudo parecia um teatro, mas sentiu que não era. Lembrou-se de quanto havia lutado para manter a família, a educação das filhas, as viagens pagas a preço de ouro. Lembrou-se do sorriso das meninas ao sair de casa naquela manhã, do semblante calmo da esposa, mesmo com tantas dificuldades passadas juntas com o companheiro.
O homem dizia-lhe que ele só tinha mais 4 minutos e que ao fim do tempo a decisão tinha que ser anunciada, sem titubear, sem mas, nem porque. O homem, põe um liquido verde num copo de água e diz:
- Depois de decidir, você deverá beber esse liquido e assim consagrar sua decisão.
Após ter decidido, Antonio bebe o liquido e começa a sentir-se mal, o rosto do homem toma formas estranhas e uma gosto amargo predomina apesar do frescor do liquido.
O homem pergunta:
- Qual sua decisão?
Antonio vê tudo girar, o teto se transforma num cenário de cores e flashs de luzes como numa discoteca.
Antes de beber o liquido, o homem lhe disse: se você decidir por sua família, ela jamais saberá sobre o que ocorreu aqui, do contrário você a perderá de todas as formas. O segredo de nosso trato é a garantia da sua decisão.
Após algumas horas.........
Antonio sente um gosto diferente, algo como um chá de especiárias exóticas, porém não consegue abrir os olhos. Ouve sons, mas são distantes, irreconhecíveis, como uma loja cheia de gente........
Um perfume conhecido, inconfundível entra por suas narinas e invade sua alma. Era o odor do bolo de fubá prometido por sua esposa, mas como poderia ele estar sentindo tal familiar odor?
Antonio começa a reconhecer certas vozes...primeiro de sua filha mais nova, depois da esposa e por fim do homem que lhe impusera tamanha prova. Os olhos ainda pesados não se abriam e um sentimento de impotência se espalha por todo o corpo de Antonio.
Ao abrir os olhos, Antonio sentiu-se como voltando de um sonho, de uma viagem insólita. Sara e suas filhas, com os olhos em lágrimas, olham para Antonio e lhe dão vários beijos, abraços, tudo o que Antonio mais precisava naquele momento. Perto do sofá onde Antonio se encontrava deitado, o homem do conjunto 1700, olha-o com certa ternura e pisca o olho, como dando-lhe aval pela decisão tomada. Sim, Antonio lembrou-se do sorriso de suas filhas, do beijo terno e confiante de sua esposa e claro do sabor e perfume do bolo de fubá que Sara havia prometido. A decisão havia sido pelo família.
O homem levou Antonio até a casa e disse a Sara que ele precisava descansar. Ele pôs a mão no ombro de Sara e disse;
- Tudo vai melhorar, pois o laço familiar é invisível, porém mais forte que a própria morte. Somos irmãos energéticos, infinitos e imortais. O amor é a única força que pode manter os laços, fora isso, tudo é ilusão.
Sara lembrou-se dessas palavras, quando Antonio lhe comentou dias atrás. Que estranho, pensou ela, mas naquele momento o que mais importava é ver Antonio bem outra vez. O homem trouxe Antonio ainda desacordado e por sorte Sara já havia chegado. A explicação dele não foi muito convicente, mas quem queria saber de explicações naquele momento?
O homem se foi e deixou um pequeno papel, que deveria ser entregue a Antonio as 19:58 hs, sem delongas, nem atrasos. Sara concorda com o homem e disse-lhe que assim seria feito.
Antonio abraça Sara com força e diz que aquele odor de bolo de fubá era melhor que qualquer coisa na vida. Sara acha um exagero, mas aceita o elogio.
19:58 hs e Sara entrega o pequeno papel. Nele uma sequencia de números, na verdade 6 dezenas, separadas por um hífen. No rodapé diz: Sena concurso 954. Resultado final. Prêmio: R$ 30 milhões.
Faltavam apenas dois minutos para encerrarem as apostas daquele concurso, e Antonio percebeu a jogada do homem que lhe deu duas opções de vida.
Antonio liga o rádio e ouve o sorteio das dezenas do concurso 954: um frio passa pelo corpo de Antonio e invade sua mente e alma. Todas as dezenas sorteadas estavam naquele pedaço de papel: 05-08-18-24-33-57
Antonio cortou mais um pedaço de bolo de fubá, beijou sua mulher e disse:
- Meu amor, esse teu bolo vale mais que um prêmio da Mega Sena acumulada. Sara o encara e diz:
- Hoje foi um dia estranho, mas o que mais deixou encafifada foi a mala que deixaram para você lá em cima. Lembra do Guilherme? Pois então, ele disse que te encontrou no ponto de ônibus e que você havia esquecido a tua pasta no carro dele, daí ele tentou falar com você no celular, mas não conseguiu. Como você deu seu cartão para ele, o pobre fêz de tudo para te encontrar e devolver tua pasta.
Antonio não havia levado pasta alguma com ele naquele dia!!!!! Ele corre até o quarto e vê uma pasta idêntica e dele. Senta-se ao lado da cama e a abre vagarosamente. Havia uma quantidade imensa de dinheiro, notas altas, de R$ 100 e R$ 50. Um bilhete escrito a mão dizia:
- Sábia decisão meu amigo. Disfrute desse dinheiro assim como os que ajudastes disfrutaram de tua fraternidade e sabedoria. Lembra-te de tua promessa e do segredo que jurastes guardar.
- Sara entra no quarto, olha para aquele monte dinheiro sobre a cama e beija a face de Antonio, sem perguntar-lhe nada.
Antonio segura a mão de Sara e diz:
Meu silêncio é a maior prova de amor que posso te dar. Os dois se abraçam e vão até a sala. Naquela noite Antonio, Sara e as meninas foram jantar fora, mas antes de sairem tomaram um café recém passado e mais uma fatia de bolo de fubá.
Do lado de fora, em frente a casa de Antonio, o homem do conjunto 1700 entra em um carro e parte rapidamente.....era o carro de Guilherme, e assim a promessa foi paga.........conforme o prometido.
Antonio levantara-se mais um dia sem saber, se ao retornar àquela cama à noite, sua busca por trabalho terminaria. Chovia e as nuvens prenunciavam um longo dia úmido e complicado para quem tivesse que enfrentar o trânsito e o mal-humor coletivo.
Sara, sua esposa dedicada e companheira por mais de 20 anos de casamento, lembrou Antonio que a conta de telefone estava atrasada e já haviam recebido uma notificação pelo desligamento em caso de mais atrasos.
- Sara, não se preocupe, pois aquele trabalho de pesquisa para Henrique será pago hoje.
Ele sabia que aquelas palavras acalmariam sua esposa e suas filhas.
A dedicada esposa lhe conforta com um beijo e diz que aquilo logo terminaria, afinal qual seria aquela crise? A décima, a oitava....não importa.
As filhas, uma de 15 e a outra com 10 anos, olham para o pai e dizem que elas sonharam com uma fada e que as coisas iriam se resolver prontamente. O mesmo sonho com as duas meninas, na mesma noite? Algo realmente incomum.
Antonio olha para Sara, e regozijam-se pelo ato de amor que acabaram de experimentar. Elas inventaram aquela história para incentivar o pai. A educação um pouco mais dura que a normalmente dada hoje em dia, começava a mostrar os resultados de tanto esforço.
"O laço familiar é invisível, porém mais forte que a própria morte. Somos irmãos energéticos, infinitos e imortais." Essas palavras ressoavam na cabeça de Antonio já há dois dias, e o pior é que ele não lembrava de onde. O stress minava a atenção de Antonio.
Antes de Antonio se despedir das filhas e esposa, Sara lhe interrompe e disse que se ele voltasse mais cedo, ele poderia saborear um delicioso e inconfundível bolo de fubá, com sementes de erva-doce aos montes. Antonio diz que faria o possível e até o impossível para chegar antes do por do sol.
O ônibus das 7:11 já havia passado e o seguinte geralmente vinha mais lotado que o normal. Antonio se conforta com as cenas daquela manhã tão singular e cheia de amor com as filhas e a esposa. O trânsito parou em frente ao ponto e podia-se notar os rostos já nervosos pelo começo de mais um dia stressante.
De dentro do carro, Guilherme reconhece o antigo vizinho e pára o automóvel ao lado do ponto de onibus.
- Hei, Antonio.....Antonio aqui, dentro do carro.
Antonio lembrava-se muito bem dele. Por anos foram vizinhos de porta no edifício de apartamentos de classe média, no bairro paulistano de Santana . Guilherme tinha um dívida de gratidão com Antonio, visto que seu irmão de porta, havia-lhe ajudado por quase um ano, 3 vezes por semana a melhorar a fluência em inglês, hoje tão imprescindível quanto informática, ou no passado a datilografia. Antonio jamais lhe cobrou pelas aulas, mas Guilherme fêz uma promessa a seu mestre. Que logo que ele pudesse ele lhe pagaria com juros e tudo.
Guilherme, por ter casado tão cedo, sabia muito bem o peso da responsabilidade e como aquilo havia mudado sua vida em termos de crescimento pessoal. Ele não só amava muito seu filho, como também a jovem e bonita esposa.
Dois anos se passaram entre esse encontro naquela manhã chuvosa e o dia em que Antonio teve que sair do apartamento pela alta carga das prestações vencidas e do condomínio cada vez caro.
- Entra no carro seu Antonio!!!......... Olá mestre!!!!! Tudo bem com o senhor?
Antonio sentia sinceridade nas palavras dele e abriu um largo sorriso.
- Como você está, Guilherme? Outro dia pensei em você. Lembrei da tua dificuldade com as preposições em inglês e como você melhorou em tão pouco tempo. Disse Antonio com certo orgulho pelo seu pupilo.
Antonio jamais lhe cobrou a dívida, pois ele sentia uma honestidade latente nele, e sabia que algum dia a promessa seria cumprida.
- Puxa seu Antonio, há quanto tempo....acho que uns dois anos!!!!
- Acredito que sim Guilherme, uns dois anos.
Conversaram algumas amenidades enquanto o trânsito não dava sinais de melhora. Numa dessas paradas, Guilherme pergunta ao seu amigo como ia o trabalho. Antonio meio sem jeito diz que estava desempregado havia um ano e três meses.
Guilherme se compadece do sofrimento e diz a Antonio:
- Não sei se o senhor vai acreditar ou não, mas ontem, uma pessoa na rua me deu um cartão e disse-me:
- Você deverá dar essa cartão à primeira pessoa que realmente necessite de ajuda, de uma mão amiga. Ele só funciona para quem recebe o cartão e somente para quem realmente precisar. Qualquer possibilidade fora essa, não terá efeito e você será responsável pela infelicidade de outro. Portanto ouça seu coração quando for decidir a quem dar-lo
Gulherme achou engraçado e pôs o cartão na carteira.
-Que mal faria eu em ajudar alguém, mesmo não sendo verdade essa história? As vezes acreditar em algo é mais importante que tê-lo! Pensou Guilherme naquele momento.
- Como o senhor pode ver, há só o endereço e um horário pré marcado. Assim dizia o cartão:
Rua das Herbáceas, 888, 17 andar, conjunto 1700. Horário: 16:04 - Qualquer dia da semana.
Guilherme entrega o cartão a Antonio e diz que sentiu sinceridade no velhinho que lhe dera o dito cartão no dia anterior àquele.
Antonio agradece pelo ato de bondade e diz que irá até esse lugar. Guilherme anota o celular em um cartão e entrega-o ao mestre.
- Seu Antonio, por favor, anota seu telefone e endereço aqui, depois eu passo para a agenda.
- Não sei porquê, mas já me chamaram três vezes do escritório!!! Tanto tempo sem a gente se falar e não ia ser um telefone que ia nos interromper, certo professor?.
Antonio concorda e sente-se respeitado pelo ex-aluno dedicado.
O dia é longo e cansativo, mas Antonio ainda tem forças para ir até aquele endereço, e o faz rápido para não chegar atrasado em casa.
Tratava-se de um prédio comercial, com 26 andares e inaugurado em Agosto de 2006. Antonio chega a recepção e entrega seu documento para cadastramento. Um senhor com rugas por toda a face lhe atende e pergunta-lhe onde ele pretendia ir. Mostra-lhe o cartão recebido de seu amigo e com uma mudança brusca no semblante, o velhinho com aquele pequeno pedaço de papel na mão direita, pega o telefone e fala com alguém, com um tom de voz um tanto baixo para uma questão tão corriqueira. Entrega o cartão de volta para Antonio e lhe indica o elevador a tomar: o último do lado direito.
Aquele elevador atendia somente os últimos andares, e nessa viagem vertical, ninguém adentrou no elevador para acompanha-lo. Foi rápido, não mais que 20 segundos, até que as portas se abrem e Antonio busca a sala 1700. Havia algo estranho naquele corredor. Não haviam placas nas portas, nem mesmo o números das salas. Antonio se sente enganado, algo como uma brincadeira de quem não tem o que fazer. Depois de caminhar todo o corredor, ele decide ir embora, afinal um bolo quente e delicioso o esperava. Quase chegando aos elevadores, uma porta se abre. Naquele momento uma voz quase angelical diz:
- Dezesseis horas e quatro minutos, conjunto mil e setencentos. Favor entrar e aguardar ser chamado. Fique a vontade e aproveite nossa água ou chá.
Era uma sala de espera pequena, com apenas uma poltrona confortável e uma mesinha com água e chá. Na porta que deveria dar acesso a sala, uma pequena tela de LCD indica:
Conjunto 1700 - horário: 16:04.
A porta se abre, e uma voz grossa, porém clara diz:
- Senhor Antonio, favor dirigir-se ao assento à sua frente e aguardar.
A sala não possuía muitos móveis, apenas uma mesa de mogno com vidro, um calendário e uma pasta sobre a mesa.
Um homem alto entra na sala e senta-se de frente a Antonio e diz:
-Você recebeu um cartão de alguém conhecido?
Antonio prontamente responde que sim.
- Essa pessoa é familiar seu, mesmo distante?
Sem motivos para mentir, ele diz que não. Que ele havia sido dado por um vizinho que não via há tempos.
O homem encara Antonio, como se buscando algo no semblante cansado dele. Após alguns segundos ele pega a pasta que se encontrava na mesa e a lê por alguns segundos. O homem fecha a pasta e diz:
- Senhor Antonio, o senhor foi escolhido, por razões que aqui não vêm ao caso, para receber uma dádiva. Esse presente tem um preço. O tempo é teu inimigo, pois tens somente 5 minutos para decidi-lo e sem a prerrogativa de qualquer chamada telefônica. Deseja continuar?
Antonio diz que sim. Afinal que mal poderiam fazer-lhe?
- A partir deste momento, nada poderá ser dito a quem quer que seja, em qualquer tempo, do contrário tudo o que você conquistar se perderá em pouco tempo. Acredite que podemos fazê-lo, seja onde for e quando for.
As pernas de Antonio bambeiam, mas ele vai em frente.
- Senhor, estou disposto a continuar.
O homem olha profundamente nos olhos de Antonio e diz:
- Sabemos de sua dificuldade financeira há anos, das dívidas que nunca diminuem, portanto lhe proponho o seguinte trato: no máximo em quatro horas, você poderá ter uma fortuna de 30 milhões de reais, depositados numa conta do banco indicado por você. Desde agora até a sua morte você não terá mais problemas financeiros, ou de qualquer outra ordem material. Sua vida será como a de um rei , porém sem trono.
Sara vai morrer de rir de mim quando lhe contar o que está acontecendo, pensou Antonio.
O homem bate na mesa e diz:
- Você acha que eu estou brincando? Olhe ao seu redor. Você acha que há alguma camêra oculta? Um microfone escondido? Isto é sério e depende de você mudar a sua vida.
Antonio percebeu que aquilo não parecia uma brincadeira e sorriu sem jeito.
- Vamos ao preço deste presente: se você decidir aceitar minha oferta, ou seja, dinheiro, conforto e segurança para o resto da vida, a partir deste momento você não verá mais sua família. Eles serão levados a outro lugar, com todo conforto que você também terá, mas em hipótese nenhuma vocês se verão novamente. Aceitando as condições, tudo será explicado aos seus entes queridos e as regras desta nova vida. Qualquer tentativa de reencontro será punida com a perda de tudo o que lhe foi dado.
Jamais Antonio havia passado por tamanha prova. Por alguns momentos ele não sabia o que dizer. Tudo parecia um teatro, mas sentiu que não era. Lembrou-se de quanto havia lutado para manter a família, a educação das filhas, as viagens pagas a preço de ouro. Lembrou-se do sorriso das meninas ao sair de casa naquela manhã, do semblante calmo da esposa, mesmo com tantas dificuldades passadas juntas com o companheiro.
O homem dizia-lhe que ele só tinha mais 4 minutos e que ao fim do tempo a decisão tinha que ser anunciada, sem titubear, sem mas, nem porque. O homem, põe um liquido verde num copo de água e diz:
- Depois de decidir, você deverá beber esse liquido e assim consagrar sua decisão.
Após ter decidido, Antonio bebe o liquido e começa a sentir-se mal, o rosto do homem toma formas estranhas e uma gosto amargo predomina apesar do frescor do liquido.
O homem pergunta:
- Qual sua decisão?
Antonio vê tudo girar, o teto se transforma num cenário de cores e flashs de luzes como numa discoteca.
Antes de beber o liquido, o homem lhe disse: se você decidir por sua família, ela jamais saberá sobre o que ocorreu aqui, do contrário você a perderá de todas as formas. O segredo de nosso trato é a garantia da sua decisão.
Após algumas horas.........
Antonio sente um gosto diferente, algo como um chá de especiárias exóticas, porém não consegue abrir os olhos. Ouve sons, mas são distantes, irreconhecíveis, como uma loja cheia de gente........
Um perfume conhecido, inconfundível entra por suas narinas e invade sua alma. Era o odor do bolo de fubá prometido por sua esposa, mas como poderia ele estar sentindo tal familiar odor?
Antonio começa a reconhecer certas vozes...primeiro de sua filha mais nova, depois da esposa e por fim do homem que lhe impusera tamanha prova. Os olhos ainda pesados não se abriam e um sentimento de impotência se espalha por todo o corpo de Antonio.
Ao abrir os olhos, Antonio sentiu-se como voltando de um sonho, de uma viagem insólita. Sara e suas filhas, com os olhos em lágrimas, olham para Antonio e lhe dão vários beijos, abraços, tudo o que Antonio mais precisava naquele momento. Perto do sofá onde Antonio se encontrava deitado, o homem do conjunto 1700, olha-o com certa ternura e pisca o olho, como dando-lhe aval pela decisão tomada. Sim, Antonio lembrou-se do sorriso de suas filhas, do beijo terno e confiante de sua esposa e claro do sabor e perfume do bolo de fubá que Sara havia prometido. A decisão havia sido pelo família.
O homem levou Antonio até a casa e disse a Sara que ele precisava descansar. Ele pôs a mão no ombro de Sara e disse;
- Tudo vai melhorar, pois o laço familiar é invisível, porém mais forte que a própria morte. Somos irmãos energéticos, infinitos e imortais. O amor é a única força que pode manter os laços, fora isso, tudo é ilusão.
Sara lembrou-se dessas palavras, quando Antonio lhe comentou dias atrás. Que estranho, pensou ela, mas naquele momento o que mais importava é ver Antonio bem outra vez. O homem trouxe Antonio ainda desacordado e por sorte Sara já havia chegado. A explicação dele não foi muito convicente, mas quem queria saber de explicações naquele momento?
O homem se foi e deixou um pequeno papel, que deveria ser entregue a Antonio as 19:58 hs, sem delongas, nem atrasos. Sara concorda com o homem e disse-lhe que assim seria feito.
Antonio abraça Sara com força e diz que aquele odor de bolo de fubá era melhor que qualquer coisa na vida. Sara acha um exagero, mas aceita o elogio.
19:58 hs e Sara entrega o pequeno papel. Nele uma sequencia de números, na verdade 6 dezenas, separadas por um hífen. No rodapé diz: Sena concurso 954. Resultado final. Prêmio: R$ 30 milhões.
Faltavam apenas dois minutos para encerrarem as apostas daquele concurso, e Antonio percebeu a jogada do homem que lhe deu duas opções de vida.
Antonio liga o rádio e ouve o sorteio das dezenas do concurso 954: um frio passa pelo corpo de Antonio e invade sua mente e alma. Todas as dezenas sorteadas estavam naquele pedaço de papel: 05-08-18-24-33-57
Antonio cortou mais um pedaço de bolo de fubá, beijou sua mulher e disse:
- Meu amor, esse teu bolo vale mais que um prêmio da Mega Sena acumulada. Sara o encara e diz:
- Hoje foi um dia estranho, mas o que mais deixou encafifada foi a mala que deixaram para você lá em cima. Lembra do Guilherme? Pois então, ele disse que te encontrou no ponto de ônibus e que você havia esquecido a tua pasta no carro dele, daí ele tentou falar com você no celular, mas não conseguiu. Como você deu seu cartão para ele, o pobre fêz de tudo para te encontrar e devolver tua pasta.
Antonio não havia levado pasta alguma com ele naquele dia!!!!! Ele corre até o quarto e vê uma pasta idêntica e dele. Senta-se ao lado da cama e a abre vagarosamente. Havia uma quantidade imensa de dinheiro, notas altas, de R$ 100 e R$ 50. Um bilhete escrito a mão dizia:
- Sábia decisão meu amigo. Disfrute desse dinheiro assim como os que ajudastes disfrutaram de tua fraternidade e sabedoria. Lembra-te de tua promessa e do segredo que jurastes guardar.
- Sara entra no quarto, olha para aquele monte dinheiro sobre a cama e beija a face de Antonio, sem perguntar-lhe nada.
Antonio segura a mão de Sara e diz:
Meu silêncio é a maior prova de amor que posso te dar. Os dois se abraçam e vão até a sala. Naquela noite Antonio, Sara e as meninas foram jantar fora, mas antes de sairem tomaram um café recém passado e mais uma fatia de bolo de fubá.
Do lado de fora, em frente a casa de Antonio, o homem do conjunto 1700 entra em um carro e parte rapidamente.....era o carro de Guilherme, e assim a promessa foi paga.........conforme o prometido.