NO UNIVERSO DO MEU QUARTO

Eu estava andando, andando...estava cansado de passear nas colinas do meu quarto. Sem que eu percebesse como, eu já estava às margens do rio, que se tornava lindo quando despencava pelas cascatas do meu quarto. Sem esperar mais que um segundo, entrei sem querer nas águas e fui chegando mais, chegando e afundando...Cada metro para frente, mais um pouco menos de mim aparecia na superfície. Já estava submerso à metade e estava chegando mais, chegando e afundando...Eu não queria ir, mas ia. Desejei mil vezes ter aprendido a nadar antes. Não me recordava nem de como fazer para não afundar. Sabia que se eu prendesse a respiração eu boiaria, mas quanto tempo poderia agüentar...Olhei para os lados e não vi mais as margens do meu quarto...

As águas já molhavam o meu queixo. Um pouco mais e...Cinco centímetros a mais e ploft! Levantava a cabeça o quanto podia para protelar o fim. Não havia mais salvação! Não queria, mas estava chegando mais, chegando...As águas me fecharam e eu me vi perdido no oceano do meu quarto.

Quando já chegava ao fundo percebi algo extraordinário. Antes que mais nada me sentei numa pedra, que parecia estar à minha espera. Notei então que não estava morrendo. Até que estava bem e pensei que, apesar de não poder ver mais meu mundo de terra, talvez não fosse tão ruim assim. Poderia... Nem tinha completado meu pensamento quando fui surpreendido. Um gigante apareceu diante de mim, me pegou e me colocou nos braços como se eu fosse um neném. Eu não estava gostando, inicialmente. Estar nos braços de um...foi quando senti pelo contato do seu corpo que era uma mulher enorme, só que estava de máscara, mas menos pior. Nem tive tempo de gostar daquele contato e já estava em outros braços, e agora não era de mulher!

O sujeito, também gigante, me levou uns passos e me passou para mais um. Foi assim, em forma de revezamento, que viajei uns tristes não sei quantos metros ou quilômetros. Era a primeira vez na vida que fazia uma viagem assim. Tudo era estranho, mas eu não podia impedir nada, estava estático, só pensava...

O fim de tal viagem foi quando já tínhamos saído das águas e numa das margens estava um negócio, mais engraçado que eu já pude ver, o 14 Bis de Santos Dumont, sem motor, e eles me diziam que agora iríamos iniciar uma viagem de milhares de anos. Eles eram a mulher e mais um cara que pilotaria o “avião”, ao qual chamavam de disco voador. Acho que dei risada, pelo menos pensei que ri, mas como não tinha nenhum espelho não consigo ter certeza se o fiz. O certo é que achei impossível que aquele amontoado de caixotes pudesse sequer agüentar a mulher e o sujeito gigantes mais eu, quanto mais decolar. Não disse nada, não conseguia dizer. Só que estava feliz e com medo. Feliz por ser apenas um homem e uma mulher. No primeiro pouso eu tentaria nocautear o cara e só sobraria a mulher que, apesar de gigante, era de aspecto gentil e delicado. Com medo porque diziam que íamos viajar milhares de anos. Enfim não adiantava nada, eu não podia fazer nada. O sujeito tomou posição e começou a roncar, como se fosse motor, e disse que estávamos prontos para decolar, pois as turbinas já tinham sido acionadas. Engraçado, pensei – turbinas no 14 Bis! Não podia dizer nada, senão eu teria dito. Zuuuup! O disco que não era redondo nem quadrado subiu e com ele mergulhamos no universo do meu quarto...

O primeiro pouso, fração de segundos após, foi no topo da torre de Babel onde o piloto pediu para que enchessem o caixote de trás com benzina...era o tanque. Um natural da terra apareceu com um machado de pedra e ia esbagaçar o tanque se o disco, que era o 14 Bis ou não era, não tivesse sumido no tempo outra vez.

E agora, não sei como, eu era Moisés e não vi mais os meus acompanhantes nem o nosso veículo. Passei o maior aperto do mundo quando o povo e eu estávamos na frente do Mar Vermelho e atrás vinha o exercito do faraó do Egito. Eu sabia, cá comigo, que não era o Moisés verdadeiro, pois já tinha lido e ouvido acerca dele, mas eu era o Moisés ali! Sabia também que eu teria que falar com Deus pedindo ajuda e que Ele abriria o mar quando eu estendesse a minha vara. Oppp! Cadê a minha vara? Nem sei se a possuía, e agora? Estava num apuro sem contas. Será que o mar se abriria mesmo, sendo eu o Moisés?

Francamente, eu nem pensei se o povo pereceria ou não nas mãos do Faraó e nem me preocupei. O que me aterrorizou mesmo, por um instante, foi que eu também morreria e não estava nada disposto. Afinal eu sabia que não havia sido eu quem tirou os israelitas do Egito, disto eu tinha certeza. Eu poderia ser o Moisés, mas sabia que estava sonhando. Então lembrei que Deus mandou o povo marchar rumo ao mar e fui em frente. Quando levantei a mão, mesmo sem vara, senti um terrível empurrão e fui para o mar e... Ploftz! Acordei e estava novamente no nosso veiculo...Também fazia tanto tempo que viajávamos e eu ainda não tinha dormido!

No que eu estava, ainda, piscando os olhos para me despertar completamente, me vi novamente sozinho num palácio. Agora eu era Salomão. Por mais estranho que pareça, não era uma situação má. Minas de prata, de ouro, pedras preciosas, mulheres...eu era o Salomão. Neste dia houve um rebuliço entre as minhas setecentas mulheres princesas, mais as trezentas concubinas, pois eu estava mais radiante que nunca e todas queriam passar o dia e noite comigo. Escolhi apenas quarenta e oito das mais lindas, aliás, todas eram lindas, mas como teria que escolher, eu escolhi. Marquei que estivessem na câmara real de núpcias as sete horas em ponto e todas bem aromadas e elegantes. A espera foi angustiante!

No meu relógio eram seis horas e cinqüenta e cinco minutos. Dali a cinco minutos chegaram! Todas estavam vestidas elegantemente, embora não tivessem um fio de linha sequer sobre os corpos nus. Esse era o vestuário que eu gostava e elas sabiam. O perfume era tão suave e colante que senti o coração sufocado e embriagado de amor. Era a minha vez de me vestir...pronto! Eu já estava vestido sem nada. Vichchch!!! Que decepção! Eu me esqueci da arma? Ou, sei lá como, eu não possuía mais a ferramenta de homem? Cruzes! Quando vi aquilo...Ploftz! Acordei! Ainda bem que tudo era sonho...!

...estou No Universo do Meu Quarto...