O GESTO QUE EU NÃO FIZ
Estou incomodado como poucas vezes me senti. Não com algo que alguém me tenha feito, de forma a me desgradar. Não por não ter conseguido algo que desejava muito. Nada a ver com a indignação, que não é só minha, pela tantas travessuras dos nossos políticos, exemplos de tudo o que não se deve fazer numa gestão pública ou privada.
Estou incomodado, sim. Mas não com ninguém ou com alguma coisa. Estou incomdado comigo mesmo. Não que tenha feito algo de que deva me arrepender, mas sim pelo que não fiz. Sim, pelo que não fiz quando tive oportunidade. E era uma ótima oportunidade para demonstrar solidariedade, compreensão, fraternidade.
Era natal, tempo de se intensificar essas práticas e, como não as pratiquei, não sei quando (e se) terei nova oportunidade. Eis como: chegando a uma loja, minha mulher e eu escolhemos, como de costume, os artigos que nos interessavam (muito mais a ela, pois eram coisas para a casa). Pegamos, olhamos os preços, os motivos, tiramos a nota e nos dirijimos ao caixa, para o pagamento.
A moça do caixa, enquanto nos atendia, atendia, também, ao telefone, falando, ao que tudo indica, com um filho. Dizia: “não, filho, eu estou bem, não se preocupe comigo.
Parece que o filho insistia, pois ela repetia: “eu estou bem, estou bem, não se preocupe”. Só que, a esta altura, nós percebemos que ela chorava. As lágrimas, antes não notadas, caíam em boa quantidade. Não entendi como ela, enquanto chorava, contava dinheiro e falava, sem modificar a voz nem soluçar (eu só sei chorar soluçando – e não consigo fazer nada em paralelo).
Tive vontade de fazer um gesto de carinho. De mostrar a ela que estava solidário, que de problema de filho eu também entendo, pois os tenho em bom número. Tive vontade de pegar sua mão e transmitir-lhe a minha energia, para que ela sentisse que não estava só.
Tive vontade... mas não agi. Por timidez, vergonha ou omissão, não agi.
Saí com o coração partido e com uma enorme sensação de não ter feito o meu papel de cristão. Pequei pela falta de ação
E era natal. O que será que o Cristo pensou do meu não-gesto? O que será que pensou de mim, que prego a paz, a fraternidade e a solidariedade?
Não sei. Como também não sei como está a moça do caixa, personagem da minha crônica. E como não saberei muitas coisas mais.
Só sei que pequei.
E preciso do perdão.
(Será que ela me perdoa?)