Chico Buarque e o "sempre"

Sempre! – Às vezes esta palavra soa irônica. Eu a uso sempre (viu só?), e muitas vezes, sempre (de novo)! Certa vez achei que estava sendo pouco criativo quando terminava um verso com o "sempre".

Sábado, cinco da tarde, entre um afazer e outro puxei o "Segundo Caderno" do jornal "O Globo" de 19 de março de 2006, que guardara para ler no futuro. Observando a matéria sobre o lançamento do filme de Cacá Dieguez “O maior amor do mundo”, chamou-me a atenção a letra da trilha sonora escrita por Chico Buarque para esse filme. Letra inédita que passo a transcrever aqui:

Sempre

Eu te contemplava sempre.
Te mirei de mil mirantes,
Mesmo em sonho estive atento
Pra poder lembrar-te sempre,
Como olhando o firmamento
Vejo estrelas cintilantes
Que se forma para sempre.

O teu corpo em movimento,
Os teus lábios em flagrante,
O teu riso, teu silêncio,
Serão meus, ainda e sempre.
Dura a vida alguns instantes,
Porém mais do que o bastante
Quando cada instante
É sempre.


Letra inédita de Chico Buarque para a canção-tema de “O maior amor do mundo” – Jornal O Globo – Segundo Caderno de 19/03/2006

Pois é, cá está o grande Chico se safando no apelo do "sempre". Engraçado, já há algum tempo percebi que quando estamos em estado do que chamo "transe poética", a eternidade parece lançar-se à nossa mente como uma realidade preponderante e que norteia toda a nossa poesia. Isso parece acontecer, mais ainda, quando o sentimento em questão é o amor. Nesse caso a eternidade parece construir em nossa mente uma estrada para o amor caminhar (que poético, não acham?).

O destino dessa estrada seria o "sempre". Talvez isto seja um desejo subconsciente para que aquilo que é tão bom e tão almejado, como é o amor, nunca acabe. O "sempre" surge, então, como aquela palavra que representa muito bem e completamente a idéia deste estado de transe poético que me referi anteriormente.

Bem, depois de ler esta poesia, do Chico Buarque, senti-me mais aliviado, e já não vou mais rejeitar de pronto o "sempre", que, aliás, fica tão bem quando acompanhado com umas reticências em forma de pontinhos: "sempre..."

Claro que não ouso me comparar ao Chico, mas confesso que senti-me meio vingado com o meu lado chato e questionador, daquela personalidade, dentre tantas outras que os psicólogos dizem termos, que vez outra me aborda acusando-me de ousado, metido e sem senso do ridículo, quando escrevo as minhas poesias, ensaios, etc...

Imagino o que passava na cabeça do Chico Buarque, que de tão treinado em poetizar, deve, ao conversar, espontaneamente falar todas as palavras em metáforas. Agora, no entanto, quando escreveu esta poesia, parece tão simples e ingênuo ao ponto de aparentemente não ter incomodado-se em recorrer aos antigos clichês poéticos, contudo válidos ainda, que a natureza nos empresta: “sonho”, “firmamento”, “estrelas cintilantes”, “corpo”, “lábios”, “riso”, “silêncio”, “instantes”, e o, claro, “sempre”, que, aliás, termina a sua poesia como que caminhando pela tal estrada que me referi poeticamente.
Só faltaram as reticências...

As poesias do Chico, claro, são para sempre.