SE A CHUVA VIER
Há alguns dias já estava nublado. O sol resistia heroicamente às nuvens carregadas, mas no sábado foi inevitável. Escureceu-se o céu, e o sol, submisso, ainda iluminava de forma tímida os caminhos que se encharcariam instantes depois. Não houve trovão. Ouviram-se apenas as telhas gritando uma dor molhada, após serem golpeadas pelas gotas potentes. Uma música turva ao fundo de uma mente qualquer se fez clara melodia, remontando os dezembros e janeiros tortos, como sempre foram esses meses úmidos e escuros.
O círculo dourado forjou-se novamente, porém era tarde, o dia estava condenado por aqueles pingos a mudar de cor. O ar estava denso demais e não permitia que se sentisse a luz com toda sua vontade. Os azulejos escorregadios das calçadas censuravam travessias apressadas e puniam-nas com rígidas propensões. O céu ficara definitivamente dividido entre a luz e as manchas cinzas que avisavam sua volta em breve e uma longa estada.
A chuva daquela manhã umedeceu não só o ar, as pedras e as telhas, mas também os sentimentos empoeirados no fundo de um coração remexido por respirações extremas. Sons e imagens de todos os lados confundiram e deprimiram, com ajuda da película, os olhos que, dezembros antes, brilhavam como um halo santo.