Além dos degraus
Subia os degraus daquela “casa da esquina’’, quando encontrei Joaquim, o guardião da História.
–– Há quanto tempo! –– cumprimentou-me. –– E o Flamínio, como vai?
–– Muito bem! –– respondi em pensamento. E pensei comigo: “Veja bem companheiro como são as coisas. Dias atrás me lembrei de quando o sol nascia por trás dos eucaliptos e a neblina se dispersava com a fumaça da lenha no preparo do café matinal. Naquela época ele era corajoso, mas agora parece que esta com medo de ajudar e evitar que novamente os erros históricos se repitam. Flamínio não quer ir à luta!! Ou aparecera no ultimo momento...
Depois da rápida prosa, caminho por um corredor que me leva em direção à sala, de onde ouço os sons de dois violinos e um violoncelo vindo da varanda interna. Sons que se fundem ao compasso dos meus passos, que pisam sobre o assoalho de madeira.
À luz tênue dos lustres, criando um cenário de época, porém real, vem-me novamente uma súbita sensação. Como o de chegar a um lugar distante e já tê-lo visto anteriormente, embora sem lembrança real desta visão.
A sonoridade me atrai para aquela varanda interna, onde outras pessoas proseavam em voz baixa, em respeito às vibrações das cordas acústicas. Pixinguinha piscou e sorriu para os músicos Zé Otávio, Heitor (violinos) e Fábio (cello). Tinha-se a impressão de que a família Rodrigues Alves, apesar da séria aparência, em certo momento também parecia sorrir na foto preto & branco exposta no quintal de uma casa que, embora no mesmo lugar, encontrava-se distante no tempo.
Grande incentivador da cultura, Prof. Alexandre Barbosa recepcionou os convidados na noite de autógrafos do livro Sem Contos Longos, do autor aparecidense Wilson Gorj, ocorrida na última sexta-feira, em Guaratinguetá. Presentes na ocasião estavam o poeta Tonho França, ao lado do casal amigo Diógenes e Sila, bem como outros literatos e apreciadores da cultura.
Sim, a noite era para Wilson Gorj, jovem e talentoso escritor, de estilo livre e solto, linguagem agradável, fácil de ler e entender. Seus microcontos são uma tendência para uma leitura rápida, porém de inteligência, e uma sensibilidade poética às vezes irônica. Vale a pena ler.
Tonho França, premiado poeta guaratinguetaense, usou a palavra para demonstrar seu carinho e reconhecimento pela obra do escritor aparecidense. Diógenes também parabenizou e reconheceu o talento do autor de Sem Contos Longos. Professor Alexandre Lourenço Barbosa lembrou-se do seu primeiro contato com literatura de Wilson Gorj, há mais de três anos. À época, ao lado da bibliotecária municipal, o Prof. Alexandre fazia a seleção de textos para o livro “Aconteceu em Aparecida: 75 anos de História”, quando então se impressionou com a sensibilidade e a forma própria utilizada por Gorj.
Durante a noite de autógrafos, também teve seu momento a preocupação com a possibilidade do Museu, local do evento, vir a fechar as portas. Isso mesmo! O histórico prédio do Museu Conselheiro Rodrigues Alves, onde nasceu o ilustre guaratinguetaense presidente da República, para o espanto desse cronista, corre o risco de ser fechado por falta de recursos para sua manutenção e preservação. Diante disso, as pessoas presentes propuseram-se criar uma nova frente em defesa desse patrimônio Histórico. Entendeu-se ser um descaso e desrespeito dos governos municipal, estadual e federal com aquele patrimônio Histórico, que não é somente de Guaratinguetá ou, ainda, do Vale do Paraíba, mas sim do povo brasileiro.
Aproveitei a oportunidade e visitei todos os cômodos. Vi originais mobílias coloniais, que são realmente uma preciosidade histórica. Da janela se via a lua sobre a estação de trem. Vi a antiga máquina de datilografia sobre a mesa em tom marrom na qual, talvez, há tempos, foram decididos os rumos do país.
Não consigo imaginar que isso possa um dia se transformar em loja de departamento no centro de cidade... Ou será que alguns grupos mantém escusos interesses em deixar a cidade sem memória?!
Do último cômodo fui para a saída. A noite se alongava. Já era hora de ir. Seguindo o corredor passei pelo tal cômodo à direita, o qual ainda não havia visitado. Ali vi um casal elegante, com trajes de festa, tendo à frente uma criança brincando. O mesmo casal já visto por mim anteriormente, em Aparecida. Pedi para tirar uma foto. O casal educadamente puxou conversa. Dessa vez os dois me passaram uma informação e agendamos uma nova reunião para outra noite. Na mesa redonda da casa do Presidente...
E desci os degraus! Daquela noite de sexta-feira de 15 de fevereiro de 2008.