EU AMO O MEU PAÍS
 
Eu não entendia muito mas estava lá. As aulas foram paralisadas e todos saíram em grupos para se encontrarem com outros estudantes de outros estabelecimentos estudantis. Formada uma turba considerável saímos gritando palavras de ordens contra a repressão e o governo. O comércio parou à nossa passagem. As portas se fecharam temendo o que estava por acontecer. Aquela horda de rapazes e moças uniformizados pedindo liberdade e justiça era observada pelas pessoas nas calçadas e nos veículos que paravam para nos dar passagem. Era um mar de azul e branco carregando bandeiras do Brasil e faixas com frases de protestos. Alguns dos espectadores discretamente acenavam ou murmuravam palavras de incentivos como se a temer o comprometimento. Éramos os porta-vozes da população oprimida e censurada pelo regime político ditatorial. Finalmente nos concentramos frente ao palácio do governo vociferando e cantando nossa insatisfação. O céu estava lindo de um azul indescritível e o sol dourava a nossa pele banhada de suor. Eu não entendia o que estava acontecendo mais cantava com todos o Hino Nacional naquela tarde maravilhosa na praça em frente ao elevador Lacerda, na cidade alta. Era a minha primeira participação em passeatas estudantis.
Não tardou muito e apareceram aqueles temíveis homens fardados e truculentos com seus cassetetes de madeira apelidado de “fanta” devido ao comprimento e a cor alaranjada. Chegavam atacando a todos sem distinção com o objetivo de dispersar a multidão que se formou frente ao palácio do governo. Batiam, chutavam esmurravam e logo se formou um grande tumulto. Os estudantes em maior número devolviam a agressão com o que tinham a mão. Voavam paralelepípedos, pedaços de madeira, pedras, e os mais fortes se engalfinhavam em luta corporal com os policiais da repressão. Muitos saíram ensagüentados e rasgados, outros foram detidos e nunca mais apareceram. Como eu era franzino e um dos mais novos, fui preservado juntamente com outros menores e colocados a parte para não ser atingidos. Mesmo assim, de onde estava eu assistia tudo e via o que o governo praticava com quem lutava pela liberdade. Um daqueles centuriões aproximou-se do grupo em que eu estava e de cassetete à mão olhou-nos ameaçadoramente e disse: fora daqui bando de pivetes! Olhei aquele Golias de baixo para cima e destemidamente desferi na perna dele um chute com meu sapato  vulcabrás. Vi que ele não sentiu nada mais mesmo assim corri temendo o que poderia acontecer me entrincheirando nas dependências do elevador Lacerda. Lá dentro eu exultava. Acabara de desferir um golpe em um dos nossos opressores.
Lentamente os estudantes foram se retirando do local deixando o saldo da contenda na praça. Destroços por todos os lados, alguns daqueles imensos policiais e muitos estudantes feridos enquanto dos alto-falantes do palácio do governo se ouvia. “isto é o que acontece com que se opõe ao governo.”
O tempo passou, os exilados voltaram e a maioria está no poder ou já participou dele. Naquela época lutávamos contra os desmandos e a liberdade. Agora percebo o meu país maltratado e totalmente desgovernado. O que será que aconteceu? Onde foi que erramos? Lutamos tanto por um país livre e o entregamos a pessoas inescrupulosas que utiliza o poder em seu próprio benefício sugando nosso sangue em forma de impostos. Onde está aquele ideal que nos fez derramar lágrimas, sangue e perdermos para sempre tantos e tantos companheiros? Choramos e cantamos, suamos e lutamos pelos nossos direitos e o deixamos em mãos inadequadas que nos impinge a pior das ditaduras: a ditadura moral. Sim é uma ditadura imoral porque constatamos infelizmente que os homens que deveriam respeitar as leis, proporcionar o bem-estar da população, o desenvolvimento do país são nossos piores opressores porque nos roubam sinicamente e ainda cantam o Hino Nacional com seus ternos impecáveis e seus colarinhos brancos enfeitados por ricas gravatas. Ah! Que vontade de transformar aquelas gravatas em laços de forcas!
 
* Esta crônica está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibida a cópia ou a reprodução sem a minha autorização.

* Agradecimento especial a amiga Sissi pela autorização do uso da música do  seu site.
Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 21/03/2008
Reeditado em 17/10/2009
Código do texto: T910503
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