O Brejinho
Vim para Brasília no ano da sua inauguração, 1960, mas meu pai, Luiz Pellizzaro, já estava aqui há pelo menos dois anos, trabalhando na legendária Construtora Rabello. Engenheiro civil, mineiro e amigo de Juscelino, a sua primeira obra foi a barragem do lago Paranoá, local de nossa primeira moradia. Em 1961 fomos morar na Vila Planalto, próximo ao Campus da Universidade de Brasília - UnB. Acompanhei de perto a construção do ICC, do qual meu pai foi responsável técnico. Mais tarde fui aluno, também de engenharia.
Até essa época, a garotada da Vila Planalto frequentava um local por nós conhecido como Brejinho, ou Minhocão. Era como um oásis no deserto. Em pleno cerrado ressequido, erguiam-se árvores monumentais, em uma mata que abrigava uma impressionante nascente d'água borbulhante. A vazão era enorme. Parte dela era canalizada em curva de nível, no rumo do atual Centro Olímpico, de onde despencava de uma altura de uns oito metros. Ali os caminhões-tanque iam buscar água para as obras. Nos intervalos, a garotada entrava debaixo do delicioso jato de água gelada. As terras circundantes eram grudentas, riquíssimas em húmus e continham uma quantidade extraordinária de minhocas puladeiras e minhocuçus. Tudo isso ficava nos locais onde hoje erguem-se os prédios da Reitoria e da Biblioteca Central. Um dia, ficamos sabendo que o nosso Brejinho ia ser derrubado. Organizamo-nos, juntamente com muitos peões, para defender o nosso tesouro. A polícia foi acionada e retirou à força os manifestantes. Assistimos consternados dois tratores de esteiras D-8, com um correntão, arrasar em poucas horas aquela preciosidade. As árvores derrubadas, tudo aplainado e aterrado. Em nome do progresso... quanta estupidez !!! Esse acontecimento me atingiu profundamente e de forma indelével. Por alguns anos, a nascente teimosamente ainda brotava um fio dágua, embora a maior parte tenha sido canalizada subterrâneamente para o lago. Irônicamente, tempos depois, soubemos que o prédio do ICC, antes mesmo do seu término, já tinha um apelido: Minhocão. Mas era um Minhocão de aço e concreto, e não aquele que conhecemos, maravilhosamente construído ao longo de muitos séculos, pela mão na Natureza, para sempre perdido.
Essa a triste estória. Que fique como lição aos mais novos, para que saibam que a natureza destruída cobra mais tarde a sua conta aos homens. Se hoje a UnB sofre com a falta de água, é por esse erro histórico, que reputo como uma verdadeira catástrofe, um dos primeiros crimes ambientais praticados na construção de Brasília. Caso não tivesse sido perpetrado, hoje a UnB teria um verdadeiro parque ecológico, dentro do seu Campus ! E com autonomia de água, de ótima qualidade.
Brasília, 12 de outubro de 2004