Bacalhau, ovos e outros simbolismos complicados

Considero que os feriados religiosos deveriam, ao menos, merecer uma lembrança para que possamos, na pior das hipóteses, justificar nosso ócio caso eles não sejam comemorados na igreja, como se deve – nem que seja apenas através de uma explicação, revivendo a História na hora do jantar. Mas às vezes fica difícil explicar o significado de alguns deles para as crianças, em especial à minha menina, cuja característica principal é uma percepção muito simples das coisas. E isso tudo fica ainda mais complicado levando-se em conta que, em alguns casos, nem eu mesma sei falar sobre isso com propriedade. A Páscoa é um desses casos.

Tudo começou porque minha auxiliar havia dito a ela que na Sexta Feira Santa as crianças deveriam ficar com seus pais. Minha filha me perguntou por quê, pois não compreendeu - e na verdade eu também não, mas de qualquer forma foi o mote que apareceu para que eu começasse a tentar explicar-lhe o que sabia sobre o significado cristão dessa data.

Disse a ela que Jesus havia sido considerado um rebelde, e aí ela já me interrompeu e fez cara feia, associando a palavra ‘rebelde’ à novela adolescente de mesmo nome que ela abomina. Expliquei-lhe o significado mais amplo da palavra, simplificando que Ele havia sido condenado à morte por ter dito aos romanos que só existia um Deus. Logo para os romanos, que tinham tantos!... Era deus da guerra, deus do vinho, deusa da caça, deusa do amor... Ela sorriu, pois adora histórias com vários personagens.

Contei-lhe que Jesus foi condenado à morte na sexta feira, e que naquela época os romanos matavam seus condenados pregando-os numa cruz. E que por isso a cruz virou o símbolo do cristianismo.

- Você sabe o que é símbolo?

- Não – ela respondeu.

- Símbolo é uma coisa que representa outra.

- ...???

- ... ah, deixa pra lá.

Então, eu lhe disse que, como esse é o dia mais triste para os cristãos, a Igreja mandava os fiéis pensarem no sofrimento de Jesus e também nos pedia para fazer jejum, ou seja, não comer nada. Outra vez ela torceu o nariz. “Mamãe, vou ficar com fome”, ela completou. Então falei que a Igreja achou que jejum era, mesmo, muito pesado, e aí ordenou a todos que não comessem pelo menos carne nesse dia.

“Eu não sou vegetariana”, ela completou.

Expliquei que, para ficar mais simples, a Igreja deixou todo mundo comer peixe. E que aí veio a tradição (“o que é tradição, mamãe?”) de se comer bacalhau na sexta feira santa. “Hummmm”, ela completou, lambendo os beiços, pois adora bacalhau. E eu dei graças ao Deus crucificado que ela não tem noção de preços, para que não viesse a pergunta que não quer calar e que eu, de forma alguma, saberia responder: por que logo bacalhau, um dos peixes mais caros, se esse não é um dia de festa e sim de luto?

Passei direto para a ressurreição, palavra que ela conhecia e para a qual conseguiu dar o significado (“quer dizer nascer de novo, né?”). Apenas pulei a parte do ‘terceiro dia’, que por mais que eu faça as contas sempre acho que o domingo vem dois dias depois da sexta – e não três. De qualquer forma, contei-lhe a história da tumba vazia e Jesus do lado de fora, lindo e luminoso, subindo aos céus. Ela prestou atenção, pois adora histórias com finais felizes.

Chegou a hora de fazer a associação com os ovos. Perguntei-lhe ingenuamente o por quê dos ovos, ao que ela respondeu: ora, para comer! Assim que meu filho parou de rir, continuei perguntando a ela: o que é um ovo? E ela, obviamente, respondeu: é uma coisa redonda e branca. Mas o que tem dentro? E de novo: gema! Meu filho às gargalhadas, e eu quase desistindo: havia-me esquecido de que ela não sabe o que são símbolos...

Enumerei vários bichinhos que nascem de ovos, do óbvio pintinho aos inusitados jacarezinhos, e assim ela entendeu (ou imagino que tenha entendido) que os ovos eram o símbolo da vida. Por isso se davam ovos na Páscoa. No princípio ovos de galinha coloridos com tinta, até evoluir para os ovos de chocolate, que...

A essa altura da conversa, ela já estava pensando em outra coisa, provavelmente no ovo em forma de coração (??) das Meninas Super Poderosas, que vai ganhar do pai. E sorriu de novo, pois a-do-ra chocolate.

Bem, eu tentei. Mas há certos simbolismos que, de tão complexos, acabam perdendo seu significado original. Acho que preferiria ter a visão simplificada de minha filha, para que não me sentisse culpada pelo bacalhau da sexta ou confusa com o chocolate do domingo.