NO EXAME DE VISTA

Parou no subtítulo do livro de Geografia Física: rios perenes e temporários. Não conseguia evoluir na leitura, na sua mente via o professor desinteressado e estranho, foi assim desde a primeira aula. Foi o que ele disse. Firmava a vista no quadro-negro, mal conseguia ler. Só acreditou que rios temporários existem quando, 50 anos depois, atravessou o leito seco de um deles no interior da Paraíba.

Foi reprovado em Língua Portuguesa. O professor falava na mãe o tempo todo, era um cearense de mau hálito, despenteado e arrogante que escrevia no quadro-negro com letra escarrapachada que ele não conseguia ler. Estava míope.

O colega que colecionava selos passou de ano, o que fumava Hollywood sem filtro também passou; ele repetiu e no ano seguinte a moça riu dos seus óculos, estreitos no rosto, e terminou o namoro. Pelo menos, teve educação e foi terminando aos poucos.

A turma que o alcançou era mais unida. Soube, muitos anos depois, que o primeiro colocado da turma teve um surto de tanto estudar, abandonou o curso de Engenharia no último ano e foi ser iluminador da TV Continental. O colega que colecionava selos ainda coleciona, tem milhares de selos, ele viu outro dia no jornal uma reportagem.

Ficou solteiro e com trauma de óculos, mas usava um bem estreito, bem feio, coisa dos anos 50.

Ele me contou muito mais, mas só consegui me lembrar desses fatos porque eu estava bastante ansioso com o exame de vista pra renovação da carteira de motorista e não prestei muita atenção no que falava. Foi funcionário público e estava aposentado...Disso tenho certeza: aposentado como eu.

Elysio Lugarinho Netto
Enviado por Elysio Lugarinho Netto em 20/03/2008
Reeditado em 10/07/2008
Código do texto: T908751
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