Quem canta seus males espanta.


                           Estávamos assistindo a uma representação da Paixão de Cristo, em frente as escadarias de uma de nossas escolas, quando ela me disse:Quero que você faça uma coisa para mim. Preciso que encontre alguém para formar um Coral com os presos da Cadeia. Sem ter a menor idéia de como fazer isso, encontrar um regente disposto a ensaiar prisioneiros municipais, respondi que sim, eu faria o que ela estava me pedindo. Satisfeita com minha aquiescência e já envolvendo outros profissionais de nossa equipe, inclusive oferecendo sugestões para o desenvolvimento do trabalho, contou-nos que logo começaria a funcionar em nossa cadeia uma Escola. O governo estadual garantira a contratação de professores. E aí riu,  porque determinada autoridade a chamara de a prefeita da cadeia cor-de-rosa. Os ritos encerrados, a praça  esvaziou-se e cada um de nós tomou o seu rumo. Vim a pé para casa, que é perto, apreciando a beleza da noite e pensando.

        Segunda-feira passada eu estava na sala de embarque do Aeroporto Salgado Filho, voltando para casa. Comprei uma revista para ler no avião. Como é de meu hábito, comecei a ler de trás para a frente. Abri a última parte e li o artigo de Ruth de Aquino, A professora que incomodou a justiça. Não consegui ler mais nada, tal o impacto que me causou.Desde que li, o texto não sai de minha cabeça. Vai e volta e se mistura a outros pensamentos. E agora está se misturando ao pensamento de criar um coral para que nossos presos possam ter uma atividade lúdica. 

         Ruth conta a história de uma professora aposentada em Leopoldina, Minas Gerais, que se dedica a atividades voluntárias. Ela atende adolescentes em situação de risco social. E edita um pequeno jornal, 200 exemplares. Nesse jornal, os presos publicam artigos. E a professora, Maria da Glória Costa Reis, escreveu um editorial denunciando as péssimas condições da cadeia pública da cidade. Sem citar nomes, ela acusou as autoridades de negligência. E não é que se sentindo ofendido, alguém resolveu processá-la por calúnia! Esse alguém, que não cito o nome porque não sou besta, era um Juiz. O fato aconteceu em 2005 e agora, há dois meses atrás, uma juíza, baseada na Lei de Imprensa, a condenou por difamação. Conta a articulista da revista, que Glória, embora não tenha ido para a cadeia por ser ré primária, chorou de indignaçãoEu não chorei mas estou furiosa. Embasbacada.Como pode uma defensora de direitos humanos ser condenada pelo crime de denunciar violações de direitos humanos é o que a jornalista pergunta em seu artigo. E é o que pergunto eu aqui.

         Não sou de passar a mão em cabeça de bandidos. Sinto saudades do tempo em que as famílias não trancavam a porta de entrada da casa. Sinto saudades do tempo em que podíamos andar na rua, sem medo de ser assaltados. Ainda agora há pouco, voltando para casa pela rua deserta, senti medo. Guardei na bolsa a máquina fotográfica que trazia nas mãos. Andei mais rápido do que o normal. Senti alívio quando fechei o portão de entrada. Acho que as pessoas que não sabem viver em sociedade devem ser excluídas dela para que as outras possam viver em paz. Mas não acho que pessoas devam viver enjauladas como animais, porque nem esses devem viver assim. A prisão deve ter objetivos claros. Um deles, é preparar o exluído para uma nova inclusão. Seja lá onde estiver o homem deve ser tratado como homem, mesmo que ele não saiba o que é ser homem. É sempre tempo para aprender. Os que cometem crimes contra a sociedade devem ser penalizados. Mas as cadeias não podem se transformar em escolas de bandidagem, nível superior, mestrado e doutorado.  

         O artigo de Época é muito bom. Aconselho que leiam. Ruth de Aquino cita os nomes dos juízes, para quem quiser saber. Eu prefiro esquecer.Ela conta outras histórias de barbárie, no gênero. E termina aconselhando ao nosso governador que receba a professora em audiência, tratando-a com o merecimento que tem. Porque ela é uma pessoa melhor do que nós. Merece toda honra e toda glória. Dá o nome de seu blog, que eu peço licença para reproduzir aqui:http://jornalrecomeco.blogspot.com . E eu vou dormir um pouco mais feliz. Porque existem pessoas como Maria da Glória e Ruth de Aquino. Porque a pessoa para quem trabalho também acredita nas coisas que acredito. E na segunda-feira vou atrás de um regente para formar um novo grupo musical. Que espero nunca seja permanente. E que um dia acabe por absoluta falta de cantores.