Os Magos Orientais
Porque tudo andava muito bem: a colheita, os rebanhos, os riachos, sempre perenes. De manhã merecia ser visto, o nascer do sol; do mesmo modo, o seu lânguido deitar ao entardecer.
Os dias eram de franca luz e paz. Os adultos sorriam como as crianças e estas entendiam, ficando muito satisfeitas. O vale, silencioso e fértil acontecia se lavando nas chuvas de bonança, nas carícias dos vôos dos pássaros brincalhões, nos afagos dos gestos de amor, por entre seus bosques floridos.
Havia muita ternura, porém ternura sem paixão. Ternurazinha suave que fazia com que todos falassem em afagos. Era um amor-irmanando que não tinha fim, e a morte, que não de doença física, só era de amor-demais.
Um ancião, que como todos os anciãos eram muito respeitados e ouvidos, num dia de festa - comemoravam o "gesto de renúncia" - chama todos ao seu redor e numa voz-sussurro, explica:
-"Que ali havia compreensão e isso era bom! Que disto decorria a paz e portanto tinha-se um grande destino. O pleno amor era plenamente vivido e podia-se viver pensando numa morte inexoravelmente engraçada, inevitável. Porém havia semelhantes, almas afins, que não habitavam aquelas terras, não saciavam suas sedes em seus regatos. Eram diferentes, é verdade, não tinham fé, desgostavam-se constantemente, destruiam-se, definhavam-se na descrença, vivam no desamor. Anti-viviam! Não havia nenhuma possibilidade de salva-los, é verdade, pensando direitinho, seu contato seria muito arriscado, pois seu poder de corrupção era terrível!"
Muitos ouvindo o velho cidadão discorrer, choravam, não por não poder compreender, mas por nada poder realizar contra aquele mal terrível. A desvida! Porém, o velho continuou:
"...O mal maior era que por designo do Mestre, um deles, um que por natureza e sentimentos, por bondade de olhar e nobre sentir, deveria conviver com eles naquela bem-aventurança; nasceria lá, na terrível região do desquerer".
Espanto geral, os olhares incrédulos se interviam, as crianças que também ouviam a narrativa, faziam um ar de choro, temerosas. - "Compreendam! Ele só estará lá, por pouco. A vida deles por ser pregressa dura um ínfimo, um quase-nada. Apenas tentará levar uma mensagem de Vida, caso eles não a entendam, retornará, vivendo conosco o que nós vivemos, o muito feliz".
Notava-se agora o ar de satisfação, mesmo risos por entre todos. Um cidadão destacando-se fala, representando o pensamento geral. - "Isto é bom!" Os outros entendem e integrando-se numa reunião de grande âmbito, entoam canções fraternas. Quando acabam, o ancião já cansado, sugere:
"E se um de nós fóssemos, fazendo bons gestos para que eles aprendam de nobreza?" Todos concordam. -"Quem irá?"
-Guilherme, Melquior e Balthazar.
Vibram entoando novas canções. Disfarçados de reis, um hábito de poder que eles cultivam lá, seguem os tres como magos orientais.
Dirigem-se para Jerusalém, cidade suja, feia, empoeirada, agreste, corrompida como todas as outras deles. Como não conhecem a terra, por onde andam, perguntam:
-"Onde está aquele que é nascido, Rei dos judeus? Porque vimos sua estrela no Oriente e viemos a adora-lo!" (Mat.2:2)
Entender o comportamento dos de lá é bastante difícil. Os sentimentos embrutecidos, a dureza, a maldade; tudo disfarçado, levam ao descontrole total, fatal. Por isso, muito furtivamente o tal do Herodes, malicioso, tentou indagar dos tres, acerca do tempo em que lhes aparecera a estrela. Dizendo-se interessado, pois também queria adora-lo.
Não responderam. Seguindo a estrela, eles viajaram muitos dias, por sobre campos áridos, rios secos, desertos. Viram dores enormes, sofreres totais. Até que a estrela se deteve sobre o menino. Ficaram alegres com o achado final e, apeiando de suas montadas entraram na casa, onde depararam com a mãe, Maria.
Abriram seus tesouros e ofertaram, ouro, incenso e mirra. A casa simples, um estábulo, cheirava a feno e era acolhedora, com o lento respirar dos animais.
Presenteando, deixaram o gesto bom para ser imitado; não voltaram por Jerusalém, a cidade feia, por uma questão simples de "sexto sentido".
O menino fez-se adulto, não conseguindo salvar muita coisa do caos.
Hoje, pelo menos se presenteiam, por lembrar simplesmente o gesto dos tres magos indisfarçáveis, que aqui estiveram muito de soslaio.
Depois...passada a lembrança, eles se desmascaram e voltam a acariciar seus luzentes fuzis, suas vistosas fardas, seus resplandescentes foguetes, suas complicadas bombas mortíferas.
Em nome da justiça, conspurcam a paz, ávidos saceiam sua fome, com as dores e o suor do irmão mais fraco.
Embriagados e enodoados pela paz-erótica, pensando como destruirão amanhã, seu irmão. Acariciam um plano engenhoso e...fatal; num riso frio e insensível, se reencostam e pasmem! Dormem!