Ruth ou Jeniffer? (humor - causo)
Ruth acordou cedo, ainda estava escuro. Queria dormir mais, mas se não chegasse antes das sete na farmácia era ponto cortado na certa. Vestiu a calça jeans e a camiseta do uniforme, engoliu o pão dormido com manteiga e um café com leite meio frio e correu para a parada, chegando justamente em tempo de ver Dasdô descer de um ônibus que vinha do centro. A amiga vestia uma ínfima saia cor de rosa choque e uma blusinha preta de malha, de onde os seios pareciam querer fugir a qualquer momento, a maquiagem pesada fazendo-a parecer mais velha, o cabelo desajeitado num penteado desfeito, os enormes saltos na sandália plataforma.
Ruth sentiu alguma inveja da outra. Andava cansada da vidinha insossa de balconista de farmácia, o dinheirinho mirrado. Parou a amiga, conversaram um pouco, pediu uns detalhes. Decidiu. À noite Dasdô lhe arranjaria um programa.
Chegando em casa àquela noite, colocou seu vestidinho mais curto, seu salto mais alto, maquiagem e deu um trato no cabelo. Foi encontrar Dasdô no centro. A amiga a recebeu efusiva:
- Nossa! Você tá linda! Dá uma voltinha, quero ver. – e fez a amiga
dar uma pirueta. – Hum! Vai arrebentar! – e já emendou – arrumei um
programa pra você. O endereço é esse. – entregou-lhe um papelzinho - O lugar é chique, viu? Não vai fazer feio.
Ela ia voltando para o ponto de ônibus, quando a outra a chamou:
- Ah! Seu nome agora é Jeniffer! Puta com nome bíblico não dá, né? – e riu.
Ruth, agora Jeniffer, dirigiu-se ao endereço indicado. Ao chegar, é
recebida por um homem gentil que a conduz até um quarto. Ele olha para ela por uns instantes e resmunga:
- Eu pedi loira de cabelo liso... Por que nunca acertam? – e, abrindo
o enorme armário, tira de lá um lindo vestido de noiva, sapatos
brancos imaculados e uma peruca com longos cabelos loiros. – Vista-se. Depois, siga por este corredor à direita e entre na última porta. Estou lhe aguardando lá.
Ela obedeceu curiosa. Estava um pouco intrigada com o comportamento do seu cliente, mas, afinal, seria uma oportunidade engraçada de se ver vestida de noiva. Vestiu-se e calçou o sapato e deu algumas voltas em frente ao espelho, admirando-se. Depois, colocou a peruca – não combinava nadinha – e seguiu as orientações do homem.
Ao entrar na porta indicada, deparou-se com um salão escuro, sem
janelas. Gelou. No meio dele, sobre pedestais, um caixão, cercado de
flores e velas acesas. O homem a aguardava, nu e impaciente, sentado numa cadeira a um canto. Ela tentou recuar. Ele mostrou-lhe a arma:
- Venha. - e, à hesitação dela - Não tenha medo. Não vou lhe fazer nenhum mal. Se você seguir direitinho minhas instruções...
Ele levantou-se, apontando a arma em sua direção. Ela tremia toda.
Sabia que iria morrer. Mas resolveu obedecer.
Ele arrastou a cadeira até perto do caixão.
- Pronto. Use a cadeira para entrar.
- Entrar? No caixão? – perguntou ela, incrédula.
- Sim. Entre logo! – irritou-se ele, brandindo o revolver. – Entra e
sai viva ou só entra.
Jeniffer percebeu que não tinha escolha. Entrou no caixão e deitou-se.
Ele ajeitou o vestido, cobriu-a de flores. Em seguida, deu-lhe as instruções:
- Eu vou caminhar em volta do caixão. Você fica imóvel. Quando eu gozar, sai correndo que eu vou atirar contra ele.
- Como é que é? - ela perguntou, sentando-se, espalhando algumas margaridas pelo chão.
Mas ele já não a ouvia mais. Já havia iniciado seu estranho ritual,
caminhando em volta da urna. Ela podia perceber que ele chorava. Ela voltou a deitar-se, apavorada. Começou a rezar. Podia ouvi-lo caminhar e gemer, percebia que ele estava se masturbando. Quando ele deu um gemido um pouco mais forte, ela achou que era a hora, e pulou do caixão com tanto ímpeto que acabou por derrubá-lo no chão, quase em cima do homem que vociferou alguns palavrões ao ser interrompido. Ela não os ouviu, tão rapidamente lançou-se pela porta afora daquela casa infernal.
Correndo pela rua nos lindos sapatos e vestido brancos, ela sequer
tinha coragem de olhar para trás. As pessoas olhavam para ela, e ela não as via. Somente quando entrou no ônibus e sentou-se numa poltrona mais ao fundo, pode voltar a respirar e pensar.
Neste instante, Jeniffer voltou a ser Ruh.
*****
Texto baseada em uma história real, vivida por uma das representantes das profissionais do sexo no grupo de combate à AIDS do Ministério da Saúde.
Na história real, Ruth ainda é Jeniffer e passou por tantas outras que eu precisaria de todos os escritores do RL para ajudar a narrá-las.
E ainda chamam de vida fácil.
Ruth acordou cedo, ainda estava escuro. Queria dormir mais, mas se não chegasse antes das sete na farmácia era ponto cortado na certa. Vestiu a calça jeans e a camiseta do uniforme, engoliu o pão dormido com manteiga e um café com leite meio frio e correu para a parada, chegando justamente em tempo de ver Dasdô descer de um ônibus que vinha do centro. A amiga vestia uma ínfima saia cor de rosa choque e uma blusinha preta de malha, de onde os seios pareciam querer fugir a qualquer momento, a maquiagem pesada fazendo-a parecer mais velha, o cabelo desajeitado num penteado desfeito, os enormes saltos na sandália plataforma.
Ruth sentiu alguma inveja da outra. Andava cansada da vidinha insossa de balconista de farmácia, o dinheirinho mirrado. Parou a amiga, conversaram um pouco, pediu uns detalhes. Decidiu. À noite Dasdô lhe arranjaria um programa.
Chegando em casa àquela noite, colocou seu vestidinho mais curto, seu salto mais alto, maquiagem e deu um trato no cabelo. Foi encontrar Dasdô no centro. A amiga a recebeu efusiva:
- Nossa! Você tá linda! Dá uma voltinha, quero ver. – e fez a amiga
dar uma pirueta. – Hum! Vai arrebentar! – e já emendou – arrumei um
programa pra você. O endereço é esse. – entregou-lhe um papelzinho - O lugar é chique, viu? Não vai fazer feio.
Ela ia voltando para o ponto de ônibus, quando a outra a chamou:
- Ah! Seu nome agora é Jeniffer! Puta com nome bíblico não dá, né? – e riu.
Ruth, agora Jeniffer, dirigiu-se ao endereço indicado. Ao chegar, é
recebida por um homem gentil que a conduz até um quarto. Ele olha para ela por uns instantes e resmunga:
- Eu pedi loira de cabelo liso... Por que nunca acertam? – e, abrindo
o enorme armário, tira de lá um lindo vestido de noiva, sapatos
brancos imaculados e uma peruca com longos cabelos loiros. – Vista-se. Depois, siga por este corredor à direita e entre na última porta. Estou lhe aguardando lá.
Ela obedeceu curiosa. Estava um pouco intrigada com o comportamento do seu cliente, mas, afinal, seria uma oportunidade engraçada de se ver vestida de noiva. Vestiu-se e calçou o sapato e deu algumas voltas em frente ao espelho, admirando-se. Depois, colocou a peruca – não combinava nadinha – e seguiu as orientações do homem.
Ao entrar na porta indicada, deparou-se com um salão escuro, sem
janelas. Gelou. No meio dele, sobre pedestais, um caixão, cercado de
flores e velas acesas. O homem a aguardava, nu e impaciente, sentado numa cadeira a um canto. Ela tentou recuar. Ele mostrou-lhe a arma:
- Venha. - e, à hesitação dela - Não tenha medo. Não vou lhe fazer nenhum mal. Se você seguir direitinho minhas instruções...
Ele levantou-se, apontando a arma em sua direção. Ela tremia toda.
Sabia que iria morrer. Mas resolveu obedecer.
Ele arrastou a cadeira até perto do caixão.
- Pronto. Use a cadeira para entrar.
- Entrar? No caixão? – perguntou ela, incrédula.
- Sim. Entre logo! – irritou-se ele, brandindo o revolver. – Entra e
sai viva ou só entra.
Jeniffer percebeu que não tinha escolha. Entrou no caixão e deitou-se.
Ele ajeitou o vestido, cobriu-a de flores. Em seguida, deu-lhe as instruções:
- Eu vou caminhar em volta do caixão. Você fica imóvel. Quando eu gozar, sai correndo que eu vou atirar contra ele.
- Como é que é? - ela perguntou, sentando-se, espalhando algumas margaridas pelo chão.
Mas ele já não a ouvia mais. Já havia iniciado seu estranho ritual,
caminhando em volta da urna. Ela podia perceber que ele chorava. Ela voltou a deitar-se, apavorada. Começou a rezar. Podia ouvi-lo caminhar e gemer, percebia que ele estava se masturbando. Quando ele deu um gemido um pouco mais forte, ela achou que era a hora, e pulou do caixão com tanto ímpeto que acabou por derrubá-lo no chão, quase em cima do homem que vociferou alguns palavrões ao ser interrompido. Ela não os ouviu, tão rapidamente lançou-se pela porta afora daquela casa infernal.
Correndo pela rua nos lindos sapatos e vestido brancos, ela sequer
tinha coragem de olhar para trás. As pessoas olhavam para ela, e ela não as via. Somente quando entrou no ônibus e sentou-se numa poltrona mais ao fundo, pode voltar a respirar e pensar.
Neste instante, Jeniffer voltou a ser Ruh.
*****
Texto baseada em uma história real, vivida por uma das representantes das profissionais do sexo no grupo de combate à AIDS do Ministério da Saúde.
Na história real, Ruth ainda é Jeniffer e passou por tantas outras que eu precisaria de todos os escritores do RL para ajudar a narrá-las.
E ainda chamam de vida fácil.