Três mulheres na escala musical da vida
Edson Gonçalves Ferreira
Quarta-feira da Semana Santa... Recordo os tempos em que elas ainda viviam entre nós e, sem medir esforços, apoiavam tudo o quanto podiam. Estou falando de três mulheres fantásticas: minha mãe, Dona Nita, a mãe da maestrina Djanira, Donha Sinhana e a mãe da musicóloga Maria Cecília, Dona Alice.
Minha mãe, filha de português com espanhola, apoiou sempre meu pai Arlindo que, músico, exímio no pistom, mas que também tocava outros instrumentos, reunia músicos em minha casa, muito antes de eu nascer para ensaiar. Havia uma marcenaria enorme no fundo da minha casa e, ali, os músicos, os poetas, os artistas da cidade se reuniam, quase todas as semanas.
Lembro-me, perfeitamente que, criança ainda, eu ficava no alto da escada, na porta da cozinha, agachado, fazendo um banquinho de escrivaninha e escrevendo poemas. O artista plástico Petrônio Bax passava e, tocando meus cabelos, me incentivava a escrever. Totonho Machado, outro grande intelectual fazia o mesmo como Rosenwald Hudson, da Academia Divinopolitana de Letras.
Enquanto isso, ali, pertinho da minha casa, na Rua Paraíba, Dona Sinhana apoiava a sua filha Djanira que, com seu violão e sua voz preciosa, fundou o Coral Divinópolis que, até hoje, brilha. O Coral era só das Filhas de Maria. Teimoso, desde criança, eu ia aos
ensaios e nas apresentações assim mesmo e, então, de repente, passei a ser o primeiro elemento masculino do coral que passou a ser misto.
Pouco distante dali, havia outra casa onde a Música era presença obrigatória: a casa dos Guimarães. Sô Jacinto Guimarães, exímio violinista, participava também dos movimentos musicais da cidade, principalmente do Convento dos Franciscanos. Dona Alice a tudo assistia, dando forças, mas sempre crítica. Lembro-me, tranquilamente, da minha adolescência, ainda seminarista, visitando a casa deles.
Na sala, assistíamos à televisão, ao programa de Flávio Cavalcanti com o Sô Jacinto, o Lauro, ainda menino, brincando e, na copa, Cecília estudava com seu noivo Aristides. Quando algum deles metia o bedelho na nossa conversa, na mesma hora, Dona Alice retrucava. Não gostava de ser interrompida. Afinal, era uma mulher culta e fina, mas sincera demais. Eu me encantava com ela.
Com essas mulheres que, embora não fossem musicólogas, eu aprendi muito, porque elas eram o alicerce para os seus maridos músicos que, tranqüilos, podiam exercitar na sua arte.
Quantas aventuras vivi ao lado de meu pai, Arlindo, ensaiando em casa ou na Banda Santa Cecília. Quantas alegrias tive ao lado de Sô Jacinto,
tanto no Coral Santo Antônio ou Divinópolis. Até a Missa Luba nós conseguimos e eu fui o solista!
Esta semana, conversando com a maestrina Djanira Luiza dos Santos que, até hoje, dirige o Coral Divinópolis e acaba de me dar um exemplar da Harpinha de Sião para eu cantar mais, lembramo-nos das festas juninas na casa dela. O coral cantando e eu fazendo as minhas estripulias como ator. Dona Sinhana providenciava os comes e bebes como também fizeram minha mãe, Dona Nita e Dona Alice, as senhoras da escala musical da vida. Ah, quantas saudades, quantas!...