Tomografia computadorizada (do Brasil)
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (DO BRASIL)
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 19.03.2008)
Há pessoas que trabalham com uma janela aberta na tela do computador pela qual passam notícias numa espécie de plantão internético permanente. Se algo interessar, é clicar no título e ter acesso ao texto integral. Este humilde cronista joga no time dessa gente: sua janela aberta para o mundo, provida por O Globo Online, chama-se "Últimas Notícias". Nela cabem 30 notícias com quatro ou cinco palavras iniciais de cada título. É o suficiente, asseguro-te.
Na sexta-feira intrigava tanta prisão noticiada. Os presos iam do assaltante primário das sinaleiras, que pouco te toma se não te der um tiro mas que muito te assusta, até empresários, advogados e jornalistas, que te causam prejuízos monumentais mas te parecem entidades distantes. Também estavam ali, enrolados em irregularidades e ilegalidades, vereadores e juízes.
Debrucei-me sobre a relação "congelada" às 20h28: sete notícias, por neutras, foram descartadas. Três outras eram positivas: "Poetisa chilena Carmen Berenguer ganha o prêmio Pablo Neruda", "Univali oferta cinco especializações em ciências humanas" (trata-se da Universidade do Vale do Itajaí, em Santa Catarina) e, a notícia mais recente, "Volume de empréstimos para compra da casa própria no primeiro bimestre de 2008 iguala todo o ano de 2003".
Os demais 20 títulos, eloqüentes, dão testemunho destes dias que correm: "Homens de terno seqüestram gerente e roubam banco em Mauá, SP"; "Tribunal de Justiça de São Paulo manda soltar homem que ficou seis anos preso sem julgamento"; "Principal suspeito de integrar quadrilha que vendia diplomas falsos pela internet presta depoimento no Mato Grosso"; na cidade de São Paulo, enquanto a indústria comemora recordes sucessivos na produção e venda de veículos, "Trânsito ainda é lento no corredor norte-sul e na Bandeirantes"; "MEC diz que não tem como impedir a falsificação de diplomas" (claro que não tem, mas isto não exime o Ministério da Educação das suas obrigações de fiscalizar com rigor); "Estudante que atropelou segurança é solto no Rio Grande do Sul"; no Rio de Janeiro, "Advogada é presa em flagrante por estelionato" (fraude para obter vantagem patrimonial ilícita) e, em São Paulo, "Empresários são presos acusados de vender notas frias"; na capital paulista, "Dois são presos por assaltos em semáforos"; a Ordem dos Advogados do Brasil acusa: "Despreocupação do governo com qualidade do ensino permite efeitos colaterais como a venda de 'diplomas'".
Com ruas e estradas entupidas de veículos, "Feridos em acidente que matou quatro estão em estado grave"; "Em Ribeirão Preto, SP, radialista é preso por extorsão" (constrangimento para obter vantagem econômica indevida); sobre as páginas negras da "nossa" ditadura militar, ainda obscuras, "Procuradoria da Justiça Militar examinará ação sobre sumiço de documentos relacionados à Guerrilha do Araguaia"; "Prefeitura de São Paulo diz que vai retirar 177 lombadas para melhorar trânsito"; referindo-se ao Partido dos Trabalhadores: "'Paira no ar um viés autoritário', diz Marco Aurélio Mello", presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que está sendo processado por esse mesmo PT; "Ar no metrô de São Paulo é altamente poluído, diz pesquisa", o que compromete essa grande opção de transporte coletivo; "Bilhete de bolo envenenado foi escrito por vizinha das vítimas, aponta laudo"; "Juiz de Uberaba, MG, manda exonerar funcionários que são parentes de vereadores"; "Juíza do caso de menina presa com 20 homens no Pará pode responder a processo por negligência"; e, por fim, "Polícia Federal escuta mulher acusada de comprar diploma falso de medicina": vai uma consulta aí?
O bom é que, hoje, todos esses casos podem ser discutidos - e tem gente indo presa.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Movimentos Automáticos", novela.)