Anistia!
Desde que meu príncipe virou sapo e foi cantar noutro brejo que eu andava meio sem gosto para nada, nem para escrever. Uma hora faltava vontade, noutra, era a danada da inspiração que, correra milhas e milhas de mim, talvez por medo de que na minha confusão de sentimentos eu acabasse por deturpar o sentido das doces palavras com as quais ela sempre me presenteava, e ao invés disso trouxesse aos leitores palavras de raiva e rancor bem típicas das reações de revolta que assolam aqueles atingidos sem dó nem piedade pela pontaria certeira de um cupido arteiro e mal criado. No caso em questão, o meu. Sábia decisão dona inspiração! Corre de mim mesmo minha nêga, que eu ainda tô mordendo.
Mas hoje, inusitadamente me deu saudade do meu canto. De alguma forma, senti novamente aquela necessidade de compartilhar meus momentos com minha tribo. Pedi uma trégua à dor e antes mesmo que o nobre leitor pense que a inspiração tenha feito as pazes comigo, já vou logo avisando, que ainda estamos cantando em diferentes freguesias. Ela não quer minha companhia, pelo menos, não por enquanto. Diz que sou nociva à sua imaculada doçura. Fazer o quê, né? Nada mais me resta a não ser, respeitar sua decisão. Ô menina temperamental! Então, aqui estou, totalmente desprovida de doçura e de palavras delicadas só para marcar presença no meu brejo e matar a saudade, que ao contrário daquela uma lá, nunca larga do meu pé e deixa meu pobre coração quase tonto de tanto rodopiar no sobe e desce da montanha russa das minhas emoções. Vamos ver se assim ela para de me pertubar e me dá sossego.
Mas vamos ao que interessa. Outro dia estávamos eu e um amigo caminhando pela ilha*, quando avistamos uma cena digamos, diferente. Estávamos ambos, relembrando as mágoas dos amores recém terminados, quando passamos em frente a um bar e restaurante, desses a beira-mar. Já passava das onze da noite, quando vimos um rapaz quase que mergulhado num pequeno poço ornamental que fazia parte dos jardins do tal restaurante e uma moça um tanto aflita. Tão aflita que dava dó.
- Deve ter deixado cair no tal lago, uma jóia, a carteira, sei lá, pensei eu com os meus poucos e confidentes botões. Ah, insensibilidade!!! Será que seu nome agora é Sandra?
Meu amigo, muito cheio das gentilezas foi logo parando e oferecendo ajuda. Ela, de pronto aceitou. E o outro moço, agradeceu com um ar de quem estava perdendo a guerra e que a ajuda chegara em boa hora. E eu lá, assistindo a cena, não que eu estivesse totalmente indiferente à situação, longe de mim tal coisa. Ainda me restava algum resquício de solidariedade ao sofrimento alheio, isso posso afirmar. Estava apenas tentando entender e acompanhar os fatos e o desenrolar da saga dos dois moços que estavam tão empenhados em finalizar sua boa ação.
Pois bem, eis que descubro que todo o esforço era para pegar um sapo que, segundo a moça era o seu príncipe encantado e deveria portanto, ser beijado alí, naquele momento mágico. Também fiquei de boca aberta e com essa mesma cara que você está fazendo agora. Mas a coisa era séria. Imagine a cena. De um lado a pobre moça rica, enriquecida mais ainda de alguns Mai tais*, cercando a pobre criatura e quase que obrigando-a assumir matrimônio; do outro o pequeno animal digo, majestade, assustadíssimo com tamanho assédio, imerso nas pofundesas, nem tão fundas assim, do seu lago encantado, digo planejado, dando um show com seus saltos acrobáticos, dignos de aplauso em qualquer olimpíada e checando a cada dez segundos se a fera, digo a bela, já havia partido. Num outro canto, os dois caçadores, quero dizer rapazes, tentando, em atos heróicos, todos os esforços para que a realeza não corresse do seu destino. E num outro canto, bem mais ao canto, eu, fujida do mundo da fantasia e caída acidentalmente e impiedosamente no asfalto duro da realidade, assistindo a tudo sem piscar nem o olho.
- Oh! Sublime imagem! Diria meu pobre coração apaixonado. Mas como ele sempre peca por excesso de sentimentalismo e andou se metendo em muita confusão nos últimos tempos, perdeu toda a credibilidade comigo. Portanto, não tem moral nenhum para opinar no assunto. Vai passar um bom tempo no exílio.
- Corre daí pobre criatura - dizia meu coração rebelde, atordoado ainda pelas artimanhas do meu amor pirata - Ela vai acabar com sua vida, vai depositar em você todas as esperanças de felicidade e se você falhar, voltará a fazer parte da plebe anfíbia e será condenado a viver no pântano das lembranças e das dores. Esse por sua vez, anda numa fase de revolta com o mundo e com a vida. Ainda sente os efeitos dos choques elétricos que tomara nas sessões de tortura a que fora submetido na sua vida sentimental. Dê um desconto pro garoto, mas não leve muito em conta suas opiniões.
De alguma forma, aquela cena me tocava de maneira profunda, não sei se pelo fato de meu príncipe haver pulado para outro brejo e eu ter corrido para o pântano do desespero, ou se por saber que eu jamais voltaria a crer na magia do amor, de suas loucuras e de toda a fantasia que gira em torno de tão grandioso sentimento. Olhava aquela cena e me sentia parte dela, embora que na platéia, mas sem me atrever a dar palpites. Esses eu guardei todos para mim e meus intermináveis diálogos com meus fieis botões, companheiros de jornada e de insônia. Naquele instante, eu era apenas mais uma alma no silêncio da noite que havia sido quebrado apenas pelo barulho do sonho de alguém que se recusava a acordar para a realidade. Sonho bom deveria durar uma eternidade, pensei.
Os rapazes desistiram da caçada e saímos em silêncio. Deixamos na cena do crime as impressões digitais das nossas fantasias empoeiradas pelo tempo e pelas dores. O delito não fora de fato consumado. A moça ficou lá, tentando ganhar um beijinho que fosse e o sapinho dando seus pulos e fazendo serenata pelas águas do seu brejo encantado, talvez esperando pela próxima bela de coração partido, disposta a encontrar o amor prometido. A noite seguiu serena, guardando para si, seus mistérios e fantasias. Eu? Segui meu caminho também me sentindo estranhamente serena. Meu coração? Fora anistiado do sofrimento e liberado para sonhar outra vez quando decidi assumir o mandato da minha nova vida, dando novamente asas à gestão democrática dos meus sonhos, com direito a erros e acertos, dores, alegrias e muitos sorrisos.
Aloha
Maui, Hawaii, 18 de Março de 2008
*A Ilha de Maui fica no arquipélago havaiano, é a segunda ilha de maior importância do estado do Havaí.
*Mai Tai é uma expressão do Tahiti que significa 'do outro mundo'. No havaí é também uma bebida tropical. Uma combinação de rum claro, rum escuro, triple sec, orgeat e suco de abacaxi que faz jus ao nome desta bebida!
Desde que meu príncipe virou sapo e foi cantar noutro brejo que eu andava meio sem gosto para nada, nem para escrever. Uma hora faltava vontade, noutra, era a danada da inspiração que, correra milhas e milhas de mim, talvez por medo de que na minha confusão de sentimentos eu acabasse por deturpar o sentido das doces palavras com as quais ela sempre me presenteava, e ao invés disso trouxesse aos leitores palavras de raiva e rancor bem típicas das reações de revolta que assolam aqueles atingidos sem dó nem piedade pela pontaria certeira de um cupido arteiro e mal criado. No caso em questão, o meu. Sábia decisão dona inspiração! Corre de mim mesmo minha nêga, que eu ainda tô mordendo.
Mas hoje, inusitadamente me deu saudade do meu canto. De alguma forma, senti novamente aquela necessidade de compartilhar meus momentos com minha tribo. Pedi uma trégua à dor e antes mesmo que o nobre leitor pense que a inspiração tenha feito as pazes comigo, já vou logo avisando, que ainda estamos cantando em diferentes freguesias. Ela não quer minha companhia, pelo menos, não por enquanto. Diz que sou nociva à sua imaculada doçura. Fazer o quê, né? Nada mais me resta a não ser, respeitar sua decisão. Ô menina temperamental! Então, aqui estou, totalmente desprovida de doçura e de palavras delicadas só para marcar presença no meu brejo e matar a saudade, que ao contrário daquela uma lá, nunca larga do meu pé e deixa meu pobre coração quase tonto de tanto rodopiar no sobe e desce da montanha russa das minhas emoções. Vamos ver se assim ela para de me pertubar e me dá sossego.
Mas vamos ao que interessa. Outro dia estávamos eu e um amigo caminhando pela ilha*, quando avistamos uma cena digamos, diferente. Estávamos ambos, relembrando as mágoas dos amores recém terminados, quando passamos em frente a um bar e restaurante, desses a beira-mar. Já passava das onze da noite, quando vimos um rapaz quase que mergulhado num pequeno poço ornamental que fazia parte dos jardins do tal restaurante e uma moça um tanto aflita. Tão aflita que dava dó.
- Deve ter deixado cair no tal lago, uma jóia, a carteira, sei lá, pensei eu com os meus poucos e confidentes botões. Ah, insensibilidade!!! Será que seu nome agora é Sandra?
Meu amigo, muito cheio das gentilezas foi logo parando e oferecendo ajuda. Ela, de pronto aceitou. E o outro moço, agradeceu com um ar de quem estava perdendo a guerra e que a ajuda chegara em boa hora. E eu lá, assistindo a cena, não que eu estivesse totalmente indiferente à situação, longe de mim tal coisa. Ainda me restava algum resquício de solidariedade ao sofrimento alheio, isso posso afirmar. Estava apenas tentando entender e acompanhar os fatos e o desenrolar da saga dos dois moços que estavam tão empenhados em finalizar sua boa ação.
Pois bem, eis que descubro que todo o esforço era para pegar um sapo que, segundo a moça era o seu príncipe encantado e deveria portanto, ser beijado alí, naquele momento mágico. Também fiquei de boca aberta e com essa mesma cara que você está fazendo agora. Mas a coisa era séria. Imagine a cena. De um lado a pobre moça rica, enriquecida mais ainda de alguns Mai tais*, cercando a pobre criatura e quase que obrigando-a assumir matrimônio; do outro o pequeno animal digo, majestade, assustadíssimo com tamanho assédio, imerso nas pofundesas, nem tão fundas assim, do seu lago encantado, digo planejado, dando um show com seus saltos acrobáticos, dignos de aplauso em qualquer olimpíada e checando a cada dez segundos se a fera, digo a bela, já havia partido. Num outro canto, os dois caçadores, quero dizer rapazes, tentando, em atos heróicos, todos os esforços para que a realeza não corresse do seu destino. E num outro canto, bem mais ao canto, eu, fujida do mundo da fantasia e caída acidentalmente e impiedosamente no asfalto duro da realidade, assistindo a tudo sem piscar nem o olho.
- Oh! Sublime imagem! Diria meu pobre coração apaixonado. Mas como ele sempre peca por excesso de sentimentalismo e andou se metendo em muita confusão nos últimos tempos, perdeu toda a credibilidade comigo. Portanto, não tem moral nenhum para opinar no assunto. Vai passar um bom tempo no exílio.
- Corre daí pobre criatura - dizia meu coração rebelde, atordoado ainda pelas artimanhas do meu amor pirata - Ela vai acabar com sua vida, vai depositar em você todas as esperanças de felicidade e se você falhar, voltará a fazer parte da plebe anfíbia e será condenado a viver no pântano das lembranças e das dores. Esse por sua vez, anda numa fase de revolta com o mundo e com a vida. Ainda sente os efeitos dos choques elétricos que tomara nas sessões de tortura a que fora submetido na sua vida sentimental. Dê um desconto pro garoto, mas não leve muito em conta suas opiniões.
De alguma forma, aquela cena me tocava de maneira profunda, não sei se pelo fato de meu príncipe haver pulado para outro brejo e eu ter corrido para o pântano do desespero, ou se por saber que eu jamais voltaria a crer na magia do amor, de suas loucuras e de toda a fantasia que gira em torno de tão grandioso sentimento. Olhava aquela cena e me sentia parte dela, embora que na platéia, mas sem me atrever a dar palpites. Esses eu guardei todos para mim e meus intermináveis diálogos com meus fieis botões, companheiros de jornada e de insônia. Naquele instante, eu era apenas mais uma alma no silêncio da noite que havia sido quebrado apenas pelo barulho do sonho de alguém que se recusava a acordar para a realidade. Sonho bom deveria durar uma eternidade, pensei.
Os rapazes desistiram da caçada e saímos em silêncio. Deixamos na cena do crime as impressões digitais das nossas fantasias empoeiradas pelo tempo e pelas dores. O delito não fora de fato consumado. A moça ficou lá, tentando ganhar um beijinho que fosse e o sapinho dando seus pulos e fazendo serenata pelas águas do seu brejo encantado, talvez esperando pela próxima bela de coração partido, disposta a encontrar o amor prometido. A noite seguiu serena, guardando para si, seus mistérios e fantasias. Eu? Segui meu caminho também me sentindo estranhamente serena. Meu coração? Fora anistiado do sofrimento e liberado para sonhar outra vez quando decidi assumir o mandato da minha nova vida, dando novamente asas à gestão democrática dos meus sonhos, com direito a erros e acertos, dores, alegrias e muitos sorrisos.
Aloha
Maui, Hawaii, 18 de Março de 2008
*A Ilha de Maui fica no arquipélago havaiano, é a segunda ilha de maior importância do estado do Havaí.
*Mai Tai é uma expressão do Tahiti que significa 'do outro mundo'. No havaí é também uma bebida tropical. Uma combinação de rum claro, rum escuro, triple sec, orgeat e suco de abacaxi que faz jus ao nome desta bebida!