"Despedida" =Baseada em fatos reais=
Não adiantava. Não havia meio de Ribamar conseguir acordar mais tarde. O hábito de pular da cama às cinco e meia da manhã era tão arraigado nele que seus olhos pareciam abrir-se automaticamente nesse horário. Tudo bem. Acordara, mas continuaria deitado até mais tarde, o quanto agüentasse. De nada lhe adiantaria sair da cama tão cedo. Tudo que queria fazer naquele seu primeiro dia de aposentadoria só poderia ser feito no horário comercial. As vendas que precisava fazer, da casa e do carro, já haviam sido concretizadas na véspera e o dinheiro já estava no banco.
Ele queria ir ao centro da cidade e lá comprar uma boa máquina fotográfica, daquelas simples de operar, alguns rolos de filmes coloridos, alguns brinquedos para as crianças da vizinhança, algumas lembranças para os amigos mais chegados, um jogo de malas de primeira qualidade e muitas roupas novas. Queria voltar para sua terra natal mostrando, nas roupas e na bagagem, que progredira naqueles trinta anos em São Paulo. Contaria aos parentes e amigos em Pernambuco que a luta fora árdua, contínua, sem tréguas, mas que ele vencera. Voltava agora à sua terra natal com dinheiro suficiente para comprar seu sítio de bom tamanho, iniciar suas criações para consumo e venda, ajudar alguns parentes mais necessitados e, enfim, mostrar que estava bem forrado financeiramente para viver em paz seus últimos anos de vida.
Naquele dia ele completava cinqüenta e cinco anos de vida e trinta anos de vida na capital paulista. Três décadas nas quais se casara, criara dois filhos, assistira às duas formaturas, inchara de orgulho por ter dado ao mundo dois doutores bem criados, enviuvara, conseguira economizar enquanto progredia em seu trabalho de capataz, de bom mestre-de-obras. Como diziam os amigos, arrancando-lhe sorrisos satisfeitos: "quase um engenheiro formado".
Às cinco da tarde já havia feito tudo que queria. Já distribuíra os presentes dos amigos, os brinquedos das crianças, já fotografara o que e quem queria mostrar em Pernambuco, e faltava apenas fotografar o grande e bom amigo José Diego, o dono do bar onde tomava a branquinha de todas as tardes.
Tornou a pegar a máquina fotográfica, verificou-se ainda havia filme nela, deixou-a preparada e dirigiu-se ao bar do amigo. Não poderia voltar à sua terra natal, de onde não pretendia mais sair nem a passeio depois que se estabelecesse, sem levar a imagem do companheiro, do amigo fiel, da melhor e mais duradoura amizade que fizera em São Paulo.
Chegou à porta do bar, apontou a máquina para José Diego e disparou-a. O flash se acendeu e Ribamar sorriu. A foto sairia perfeita. Pegara José Diego em um instantâneo, sem pose, mas com a sua cara costumeira, sempre sorridente e afável.
Ao bater a foto Ribamar não havia percebido um homem sentado nos fundos do bar, no lado contrário do balcão, tomando uma cerveja.
Sem dizer uma palavra sequer, o homem deu a volta ao balcão, aproximou-se de Ribamar e disparou dois tiros à queima-roupa em seu rosto. O terceiro tiro foi dado na lente da máquina. José Diego apenas olhava, com os olhos arregalados, sem conseguir acreditar no que acontecera ao amigo, à pessoa maravilhosa e cheia de amigos que era Ribamar.
Tranqüilamente o homem se evadiu. Sumiu logo depois de uma breve explicação:
- Esse fio-da-puta tava me fotografando pra me entregar pra poliça. Munto esperto ele. Munto esperto...Tava pensando que o “Pernambuco” aqui nasceu onti...