O dia polissêmico de uma rosa que perdeu seu perfume
No ponto de ônibus estava Rosa. Rosa era meiga, amável, e gostava de ser gentil sempre. Porém, naquele dia, realmente não estava tendo motivos para manter a linha. Aliás, nem era de seu feitio se aventurar em estações ferroviárias. O que Rosa realmente gostava era de acordar cedo todos os dias e ir para o ponto de ônibus. Porém, o que acontecera era exatamente o contrário. Nada estava no ponto. O despertador não tocara. O vestido rosa de Rosa sofreu alguns estragos com a temperatura do ferro, que naquele dia parecia mesmo era estar enferrujado. Para completar, o café não estava doce. Parecia estar amargurado como há muito tempo não o sentia. A jovem colocou o salto alto, mas mesmo assim sentiu-se mal. Estava realmente para baixo. Pensou em ligar para seu chefe e inventar que estava gripada demais para ir trabalhar, mas desistiu ao lembrar que nunca emendaria as pontas daquele problema. Ergueu a cabeça, a qual parecia mais pesada naquela manhã, e saiu finalmente de casa.
Olhou para todos os lados e percebeu que não estava fazendo parte de nenhum dos vértices. Concluiu também que o canto dos pássaros não parava em canto algum, tampouco escolhia um local para descansar. Os transeuntes atravessavam a via, e pasmem: nada se via! A moça, pensativa, lançava olhares perdidos, e quando assustada, trazia-os de volta ao seu estado de inércia. Distraíra-se durante todo o trajeto e esquecera-se do seu destino.
Quando chegou ao ponto de ônibus, mal pode perceber que já não havia ninguém no local. Tudo ali estava calmo. Provavelmente não seria necessário nenhum calmante. O tempo passava e Rosa não percebia a chuva que se aproximava. Perdera o ônibus e não se dava conta deste fenômeno. Uma velha se aproximou e perguntou pela hora. Rosa titubeou um pouco, e concluiu que já passavam das oito da manhã. Sentiu sua face queimar, ignorando que o sol ainda não aparecera. Sua face branca foi invadida por uma cor avermelhada, e de rosa já não tinha nada. Sentiu as lágrimas caírem, e entre soluços deixou uma represa jorrar ali mesmo. Já não se importava com as comportas. Naquele momento, tudo o que conseguia fazer era deixar-se evadir por suas emoções. Lembrou-se então das últimas palavras de seu namorado na noite anterior quando colocou um ponto final na história de sete anos. E para isso servia mesmo aquele sinal de pontuação: finalizar uma idéia ou um texto repleto de idéias. Tiveram muitas. Umas colocaram em prática, outras ficaram na imaginação deles.
Isso não saía da cabeça de Rosa. Eugênio arruinara o seu sonho: o sonho de se casar. Ficariam unidos por toda a vida, e não usariam nenhuma algema que não fossem as palavras proferidas em frente a um juiz. Agora estava sozinha e abandonada. Não teria mais motivo para seguir em frente. Aliás, nem costumava olhar para trás. Sentou-se no banco daquele ponto de ônibus, retirou da bolsa alguns lenços e decidiu voltar para casa. Naquele dia, Rosa perfumaria seu próprio jardim.