Prisioneiro na própria casa

Já era tarde da noite quando cheguei em casa, tinha trabalhado muito naquele dia, não conseguia relaxar, sentei no sofá, peça indispensável em uma boa sala, e ouvi gritos vindo de fora do apartamento, pensei que era uma briga a toa, briga entre casais, mas e seguida ouvi dois tiros. Pensei em ir na janela ver o que estava acontecendo, mas com medo, pois minha janela já tinha sido metralhada no mês anterior, decidi ficar no sofá. Algo naquela noite estava me perturbando, não conseguiu parar de pensar nos gritos e nos tiros, resolvi então olhar pela janela do meu apartamento. Vi um homem que parecia de longe está morto, pelo menos era o que parecia do décimo andar, deitado e com a roupa cheia de sangue permanecia imóvel, chamei a polícia que demorou uns vinte minutos para chegar, mas antes disso resolvi descer as escadas e ver de perto o infeliz morto.

Quando cheguei perto do corpo vi que ele se mexia, sua respiração estava fraca quase parando, chamei então o corpo de bombeiros, que chegaram ao local em dez minutos, o rapaz baleado foi atendido na hora pelos médicos e quando estavam colocando ele na ambulância a polícia chegou. Eram dois policiais em uma patrulha, perguntaram às pessoas se elas tinham visto algo, ninguém respondeu nada, afinal isso aqui é RJ, a lei do mais forte é que prevalece.

A tradição de violência no RJ de janeiro nos faz ser prisioneiros em nossas próprias casas, quando abrimos uma janela damos de cara com uma grade, colocamos grade em portas, em ar condicionado, em tudo que se pode. Temos medo de chegar em casa altas horas, temos medo de sair de casa, temos medo de denunciar, pois não sabemos quem é bandido, não sabemos se a polícia é bandida, não sabemos se o bandido é polícia, temos medo de ir a escola, aliás, semana passada um bandido mandou fechar a escola por três dias aqui no bairro, pois o chefão dele morreu em uma troca de tiros.

Quando entramos no ônibus encontramos sempre uma criança dizendo: _” bom dia senhores e senhoras, eu podia estar roubando ou matando, mas estou aqui pedindo a colaboração dos senhores”, alguém embutiu na cabeça dessas crianças que realmente elas poderiam estar roubando ou fazendo mal a alguma pessoa, esse é o pensamento delas, “se eu não conseguir eu vou roubar”. Ontem em um sinal uma criança me pediu um trocado e eu falei a ela que só daria se ela lesse uma frase que estava colada no meu carro, ela me respondeu que não sabia ler, isso doeu em meu coração. Como dói no coração ver crianças em vidas criminosas, ver essa violência que não para, como dói esse medo crônico devido a essa tradição violenta dessa cidade maravilhosa. Precisamos de educação, precisamos de condições melhores de vida, precisamos de dignidade.