Direito de roncar

Bateu na porta, vociferando: você ronca!

Feito caracol se locomovendo recolherá os tentáculos retráteis com calma para retornar ao ronco.

Quando amanheceu ele declarou:

- Ronco por habituação como o caracol encolhe as antenas retomando a posição anterior...

Roncar para o chefe consistia numa ação dramática. Essencial para uma boa noite de sono. Recurso mal explorado pela timidez diurna. O estrondo era a festa da sua introversão. Quem ronca quase nem liga.

O insólito da situação permanecia no quarto ao lado. Aquela semana de serviço representou todos os infernos como elementos verdadeiros da vida cotidiana. Miseráveis noites que acabaram pelo extravasamento das emoções quando as vibrações do emissor chegaram ao receptor (como a loucura de um porco dormindo perto de um sino) pelo corredor do hotel. Andava com passos lúgubres de fantasma sonoro. O sino e o porco desabaram sobre o cristal fino do descanso.

Estímulo concentrado à parte aquilo enervava, indo mais além, o uivo aleatório poderia ocorrer a qualquer hora. Durante a escuridão preenchia de almas monstruosas e fala rudimentar o que seria um prazer reparador.

Seu emprego estava por um fio e os nervos queimados num curto circuito de azar. Resolveu acabar com a vida natural daquela criatura incômoda e cruel. Romperia a submissão. Esmurraria a porta do quarto até que o silêncio voltasse a reinar. Seria a sua vez de receber a obra-prima dos sonhos, mesmo diante da inutilidade das imagens durante a falta de agasalho do próximo inverno.

Foi parar no olho da rua porque o direito de roncar fazia parte daquele cargo de chefia.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 17/03/2008
Reeditado em 09/09/2011
Código do texto: T904671
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