Casamento de Fachada
Desde tenra idade venho ouvindo as mulheres conversarem nos mais diversos lugares, espaços esses, onde costumam falar das suas vidas, de seus problemas mais íntimos, seus casamentos, seus prazeres, amores, angústias... Falam bem à vontade, conscientes e felizes em poderem desabafar livremente, sem seus homens por perto para perturbá-las ou mesmo, contradizê-las.
Ouvi as mais bonitas e tristes histórias, no entanto, o que me chamou muito à atenção, foi o fato da maioria delas, concordarem em uma coisa: o casamento é só para manter um relacionamento de anos, a unidade da família...Etc. O amor, o tesão, o desejo que tanto incendiou os muitos anos de convivência conjugal, já não mais existe. Permanece, o carinho, o companheirismo, a convivência, muitas vezes, aliviada pelas ausências do marido, o sexo sem graça e por obrigação, o fingimento perfeito para manter a relação, e os inúmeros sonhos eróticos com ex - namorados, maridos das vizinhas, amigos dos filhos, artistas de novelas e por aí vai.
Os espaços mais frequentados pelas mulheres da minha pesquisa são: salões de beleza, casas de costureiras - no interior da Bahia é comum mulheres ainda costurarem para fora como se diz - feiras livres, sala de espera em consultórios médicos, eventos culturais, colégios quando só estão mulheres professoras reunidas nos intervalos das aulas, lavanderias e até na hora do almoço nas fazendas de café e na colheita da mamona, enfim... Nos mais diversos lugares onde duas ou três mulheres se reúnem para qualquer trabalho, ou lazer. Os maridos, assim como, o sucesso ou insucesso dos casamentos são os temas prioritários.
Eu estou hoje com cinquenta e dois anos e desde os meus quinze anos que a história não muda. Muda o tempo, as idades, mas as mulheres da minha pesquisa continuam pensando do mesmo jeito. Muitas já faleceram e outras ainda vivas, continuam fingindo que são felizes e sonhando com um amor do passado. Na contemporaneidade, apesar de vida pós-moderna, ainda encontro pessoas do sexo feminino vivendo da mesma forma das mulheres da minha infância e juventude.
Certo dia, ao entrar em casa da minha cunhada ouvi duas de suas amigas conversando:
- Clara, você já foi se receitar com o Doutor Márcio?
- Qual? Aquele novato que chegou agora para trabalhar no Hospital São Vicente de Paula?
- Sim, minha amiga, aquele mesmo. E aí você já foi lá?
- Não Matilde, pois não estou doente.
- Ora! Onde já se viu adoecer primeiro para ir ver um homem lindo daqueles?
Pois eu fui, disse que estava sentindo muitas dores no peito... Menina quando aquele homem olhou para mim...Aí! Senti uma emoção! Aquilo sim que é homem não aquela desgraça que eu tenho lá em casa.
- Matilde, o médico não desconfiou de que você não estava doente coisa nenhuma?
- Que nada moça, médico acredita em tudo o que você disser. É dor aqui, acolá, é só ter criatividade.
- Então eu vou!
Em uma outra ocasião, na casa da costureira Miralva, minha vizinha, uma amiga nossa revelava:
- Lurdinha, você assiste a novela pantanal?
- Não tenho tempo, pois leciono à noite.
- Menina! Tem um artista que é um "pedaço de mau caminho"! Você sabe que até o relacionamento sexual com o meu marido melhorou depois que eu passei a assistir as cenas onde esse rapaz aparece?
- Como assim?
- Imagino que é ele, o artista da novela, quem faz amor comigo, assim, tenho noites maravilhosas! O pior é quando acordo pela manhã e dou de cara com o meu marido feio, espalhado na cama... Um horror!
Foi a partir desses relatos acima descritos que resolvi pesquisar os espaços onde as mulheres costumam se aglomerar e ouvir suas histórias de vida. Atualmente muitas delas, estão saindo gradativamente dos sonhos e partindo para a realidade, ou seja, paquerando, flertando, sem nada mais sério, no entanto, muitas delas, estão mantendo relacionamentos amorosos fora do casamento; realizam suas fantasias sem jamais abrirem mão da família. Outras vivem casando e descasando sem encontrarem ainda o companheiro que julgam o ideal. O que praticamente não mudou foi o teor das conversas, embora tenham evoluído bastante em termos intelectuais, falam de tudo um pouco: atualidades, o que acontece na sociedade, as novelas, os telejornais, violências nas escolas, nas ruas, contra a mulher...Etc. Mas o ponto central está relacionado com os seus homens e o dos outros.
A classe social dessas mulheres varia, vai desde a empregada doméstica até a advogada, médica, balconista, dona de casa enfim... A linguagem é eclética, utilizam a norma culta, coloquial e a linguagem popular. O que não muda é o foco das narrativas: os maridos e as suas performances sexuais, boas ou não, mentirosas ou não e muitas outras coisas relacionadas à convivência conjugal.
Aqui em nosso meio, aconteceu o caso da mulher que de tanto falar bem das façanhas sexuais do marido para as amigas, acabou perdendo o mesmo para uma delas. Segundo o depoimento de uma entrevistada, o melhor mesmo é mentir e mentir muito sobre os homens
principalmente no que toca a relação íntima. Diz ela: - o traste do meu marido é um zero a esquerda na cama! E eu sou besta de afirmar o contrário? Homem tá difícil minha filha tenho que segurar o meu, não estou certa Lurdinha? - Oh, cada uma sabe usar a estratégia que lhe é mais conveniente. Respondi para ela.
Assim a história segue o seu curso e eu sigo escrevendo o relato de vida desse meu objeto de estudo. A mulher!