Um ninho para os bem-te-vis
Um casal de bem-te-vis, talvez recentemente acasalados, está construindo um ninho no mesmo prédio onde moro. Há três dias, dei conta desse espetáculo enquanto saudava o sol, cumprimentando a manhã. A densa e clara manhã que exibia suas cores, seus sons, e o cheiro de sua relva umedecida, lavada pela chuva da madrugada.
Na varanda do apartamento, enquanto agradecia o milagre cotidiano de estar vivo, o privilégio de poder sentir e expressar a vida, em suas nuances; um casal de bem-te-vis veio voando ligeiro, em sentido contrário ao que me encontrava. Veio voando e cantando, ao estilo dos bem-te-vis, um canto forte, repetido, alvissareiro, como quem anuncia boas novas. E, rápidos, como vieram, os dois alegres pássaros descreveram uma curva, com seus vôos, e subiram para se alojarem sobre a caixa de concreto, que envolve o aparelho de ar condicionado, no oitavo andar.
O que veio mais à frente, o que primeiro chegou, trazia no bico um ramo de capim. O que veio em seguida, poucos metros atrás, nada ostentava no bico. Trazia apenas o canto, um afiado e repetido canto, enchendo a manhã de alegria, chamando atenção para sua existência, para o motivo interior que o levava a cantar, naquele momento.
O que primeiro vi, pelo porte, pelo encargo de voar levando peso, pareceu-me ser o macho. O que veio em seguida, pela maneira efusiva de cantar, pelo vôo, pelo gesto solidário, pelo jeito paciente de seguir, tinha a magia, a sedução e o encanto das fêmeas.
Desse jeito, então, subitamente egressos da manhã, eles chegaram ao oitavo andar depois de chegarem a mim, que os vi, primeiro. Pois, se eu os vi, eles também me viram. Mas, por chegarem a mim primeiro, pude observar o ritual de seus afazeres, da forma como a manhã os acolheu. O primeiro pouso não foi, diretamente, no oitavo andar. Foi dois andares abaixo, com muita cautela, sobre outra caixa de concreto, de igual serventia, para o prédio.
O macho, o que trouxe no bico o ramo de capim, é cauteloso, tentando me iludir quanto a seu destino final. Vira-se para um lado e para o outro, com incrível velocidade, saltando sobre os próprios pés, como a conferir se mais alguém o observa, além de mim. A fêmea, menos cautelosa, é mais destemida, e o encoraja, cada vez mais, cantando, alardeando, como quem aplaude, como quem cobra, como quem espera o final do espetáculo que ajuda a realizar. Ela faz isso, pousada sobre outra caixa de concreto, um andar mais abaixo, ainda.
Ele parece indeciso, sabendo que o observo, sem desvendar minhas intenções, e não decide o que fazer com o ramo no bico, mesmo sob os intensos apelos da fêmea que insiste em cantar, o mesmo canto de euforia, inicial.
Recuo meu corpo na varanda, saindo do foco de visão em que me encontrava. Apenas escuto, por instantes, sem ser visto. E por instantes, tudo é silêncio no alarde dos dois pássaros. Mas, quando volto a mostra-me na varanda, já os vejo partir do oitavo andar, voando juntos e ligeiro, sumindo na copa de uma mangueira, em um quintal mais próximo.
Fico atento, conferindo os andares, sentindo o ardil dos bem-te-vis, ao tentarem me iludir, me despistar, sobre o trabalho que realizam, sobre local exato onde trabalham, sobre o significado de todo aquele ritual.
Mas eles retornam, em poucos minutos, consolidando, em mim, a certeza de que estão construindo um ninho, na caixa de concreto que envolve o aparelho de ar condicionado, no oitavo andar, na Rua dos Sabiás.
Voando na frente, o macho ostenta um novo e vistoso ramo de capim, fino e, aparentemente, seco. Logo atrás, repetindo o mesmo ritual, vem a fêmea alardeando a outros pássaros, a outros bem-te-vis, talvez a informação de que ali, no espaço da manhã em que nos encontramos: os moradores do prédio, os dos outros prédios e das casas da rua; um casal de bem-te-vis, recentemente acasalados, está construindo um ninho. E que ali, ela, a fêmea que alardeia, porá seus ovos e alimentará seus filhos, com a ajuda de seu companheiro.
Esse ritual está se repetindo, nos últimos dias, especialmente, pela ausência das chuvas, no início das manhãs. Falei isso a Janaína, minha amada, que testemunhou comigo, no dia seguinte, esse espetáculo natural, comovente, sob vários aspectos. Logo, com certeza, esse ritual estará terminado. Um jovem e promissor casal estará de mudanças, para habitar o mesmo prédio onde moramos.
De nossa parte, já estou lhes apresentando os votos de boas vindas. Agradecendo-lhes por terem escolhido nosso prédio para fazerem seu ninho, para habitarem, para criarem seus filhos que irão, como eles, povoar o mundo de sons, de cores, de penas, de cantos e melodias próprias de sua espécie biológica.
A vida, com todas as suas formas, vai nos dando lições permanentes de vida, nos mostrando a beleza sutil que há nas vidas que pulsam em outras formas de vida, em outros mundos, em universos distintos dos nossos, nos revelando mais sobre as faces de Deus, e sobre nós mesmos.
Por isso, a presença dos bem-te-vis, nas manhãs da vida urbana, tem o poder de revelar, de reacender luzes de nossa alma que vão se recolhendo, à medida que são confrontadas com a fria linguagem dos dias, do turbilhão das ruas, do silêncio dos elevadores, do receio das esquinas, da busca por espaço, por poder, por sobrevivência. A presença dos bem-te-vis, fazendo ninhos no interior de uma caixa de concreto, bem distante das árvores, tem um sentido de mudança, da adaptação que buscam os pássaros para viverem, para se multiplicarem, para encherem as manhãs de melodia, de sutilezas, de ensinamentos, para nos levar ao encontro de nossa alma.
Um casal de bem-te-vis, talvez recentemente acasalados, está construindo um ninho no mesmo prédio onde moro. Há três dias, dei conta desse espetáculo enquanto saudava o sol, cumprimentando a manhã. A densa e clara manhã que exibia suas cores, seus sons, e o cheiro de sua relva umedecida, lavada pela chuva da madrugada.
Na varanda do apartamento, enquanto agradecia o milagre cotidiano de estar vivo, o privilégio de poder sentir e expressar a vida, em suas nuances; um casal de bem-te-vis veio voando ligeiro, em sentido contrário ao que me encontrava. Veio voando e cantando, ao estilo dos bem-te-vis, um canto forte, repetido, alvissareiro, como quem anuncia boas novas. E, rápidos, como vieram, os dois alegres pássaros descreveram uma curva, com seus vôos, e subiram para se alojarem sobre a caixa de concreto, que envolve o aparelho de ar condicionado, no oitavo andar.
O que veio mais à frente, o que primeiro chegou, trazia no bico um ramo de capim. O que veio em seguida, poucos metros atrás, nada ostentava no bico. Trazia apenas o canto, um afiado e repetido canto, enchendo a manhã de alegria, chamando atenção para sua existência, para o motivo interior que o levava a cantar, naquele momento.
O que primeiro vi, pelo porte, pelo encargo de voar levando peso, pareceu-me ser o macho. O que veio em seguida, pela maneira efusiva de cantar, pelo vôo, pelo gesto solidário, pelo jeito paciente de seguir, tinha a magia, a sedução e o encanto das fêmeas.
Desse jeito, então, subitamente egressos da manhã, eles chegaram ao oitavo andar depois de chegarem a mim, que os vi, primeiro. Pois, se eu os vi, eles também me viram. Mas, por chegarem a mim primeiro, pude observar o ritual de seus afazeres, da forma como a manhã os acolheu. O primeiro pouso não foi, diretamente, no oitavo andar. Foi dois andares abaixo, com muita cautela, sobre outra caixa de concreto, de igual serventia, para o prédio.
O macho, o que trouxe no bico o ramo de capim, é cauteloso, tentando me iludir quanto a seu destino final. Vira-se para um lado e para o outro, com incrível velocidade, saltando sobre os próprios pés, como a conferir se mais alguém o observa, além de mim. A fêmea, menos cautelosa, é mais destemida, e o encoraja, cada vez mais, cantando, alardeando, como quem aplaude, como quem cobra, como quem espera o final do espetáculo que ajuda a realizar. Ela faz isso, pousada sobre outra caixa de concreto, um andar mais abaixo, ainda.
Ele parece indeciso, sabendo que o observo, sem desvendar minhas intenções, e não decide o que fazer com o ramo no bico, mesmo sob os intensos apelos da fêmea que insiste em cantar, o mesmo canto de euforia, inicial.
Recuo meu corpo na varanda, saindo do foco de visão em que me encontrava. Apenas escuto, por instantes, sem ser visto. E por instantes, tudo é silêncio no alarde dos dois pássaros. Mas, quando volto a mostra-me na varanda, já os vejo partir do oitavo andar, voando juntos e ligeiro, sumindo na copa de uma mangueira, em um quintal mais próximo.
Fico atento, conferindo os andares, sentindo o ardil dos bem-te-vis, ao tentarem me iludir, me despistar, sobre o trabalho que realizam, sobre local exato onde trabalham, sobre o significado de todo aquele ritual.
Mas eles retornam, em poucos minutos, consolidando, em mim, a certeza de que estão construindo um ninho, na caixa de concreto que envolve o aparelho de ar condicionado, no oitavo andar, na Rua dos Sabiás.
Voando na frente, o macho ostenta um novo e vistoso ramo de capim, fino e, aparentemente, seco. Logo atrás, repetindo o mesmo ritual, vem a fêmea alardeando a outros pássaros, a outros bem-te-vis, talvez a informação de que ali, no espaço da manhã em que nos encontramos: os moradores do prédio, os dos outros prédios e das casas da rua; um casal de bem-te-vis, recentemente acasalados, está construindo um ninho. E que ali, ela, a fêmea que alardeia, porá seus ovos e alimentará seus filhos, com a ajuda de seu companheiro.
Esse ritual está se repetindo, nos últimos dias, especialmente, pela ausência das chuvas, no início das manhãs. Falei isso a Janaína, minha amada, que testemunhou comigo, no dia seguinte, esse espetáculo natural, comovente, sob vários aspectos. Logo, com certeza, esse ritual estará terminado. Um jovem e promissor casal estará de mudanças, para habitar o mesmo prédio onde moramos.
De nossa parte, já estou lhes apresentando os votos de boas vindas. Agradecendo-lhes por terem escolhido nosso prédio para fazerem seu ninho, para habitarem, para criarem seus filhos que irão, como eles, povoar o mundo de sons, de cores, de penas, de cantos e melodias próprias de sua espécie biológica.
A vida, com todas as suas formas, vai nos dando lições permanentes de vida, nos mostrando a beleza sutil que há nas vidas que pulsam em outras formas de vida, em outros mundos, em universos distintos dos nossos, nos revelando mais sobre as faces de Deus, e sobre nós mesmos.
Por isso, a presença dos bem-te-vis, nas manhãs da vida urbana, tem o poder de revelar, de reacender luzes de nossa alma que vão se recolhendo, à medida que são confrontadas com a fria linguagem dos dias, do turbilhão das ruas, do silêncio dos elevadores, do receio das esquinas, da busca por espaço, por poder, por sobrevivência. A presença dos bem-te-vis, fazendo ninhos no interior de uma caixa de concreto, bem distante das árvores, tem um sentido de mudança, da adaptação que buscam os pássaros para viverem, para se multiplicarem, para encherem as manhãs de melodia, de sutilezas, de ensinamentos, para nos levar ao encontro de nossa alma.