CONFISSÃO...
CONFISSÃO...
Por Abilio Machado de Lima Filho
O dia amanheceu com um cinza distante, é dia dos pais e apanho-me abandonado em pensamentos. O arquivo vasculhado, buscando a visualização de sua face, um resquício de imagem, distante nestes vinte e quatro anos. Apenas um sentimento comparece, a saudade!
As lágrimas correram soltas, incontroláveis. O vazio que causa a sua falta me faz transgredir as regras do machismo e chorar, um desejo ardente de tê-lo aqui, pertinho, ao alcance de mais um abraço... Um beijo talvez.
Queria te dizer das coisas, dos acontecimentos, implorar pelo conselho antes rejeitado e agora tão necessário, tão sentido na falta das cores que o seio da tua força emanava e que na minha ignorância eu não aceitava. Queria sentir de perto as marcas do tempo e amadurecer nos teus braços, que fortes me levavam contra o peito quando miúdo me perdia em seu tamanho assustador de homem. Hoje sem pensar em nada, no como, no quando ou no por que, avançaria sobre ti e despejaria as palavras que diriam sobre meu coração, do afeto esquecido, dos carinhos, de minha gratidão. Todos os detalhes que minha birra de adolescente deixou de realizar, sempre contando com o mesmo tempo que embala agora teu sono eterno para fazer os reparos, deixei para mais tarde até ser tarde demais...
Sem grilos e sem medos, passeio sobre o vento da memória para reconhecer a sua importância que não valorizei e que deixei passar.
Meu velho, meu pai!
Como pude ser tão intransigente e não fazer jus a tua companhia, não perceber que os gestos e as palavras. As duras, por vezes, palavras, eram a sua maneira de visionar um bem... O meu próprio bem!
Quando pequeno idolatrava-o, as suas histórias ao redor do fogão a lenha, contadas com um quê de Alma, de criatividade e moralidade. Lembro-me de praticamente todas elas, em cada uma tentava aplicar seus sermões através do nosso rico folclore, ao qual conhecia como poucos. Fazia isto mexendo a polenta na caçarola de ferro, o revirado de feijão ou a famosa ‘orelha de padre’, desjejum preferido do padre Stanislaw antes do chimarrão, nas suas visitas semanais à Vila Silka. Quase senti o aroma e o sabor em minha mente.
Lembro-me de como houve tempo que adorava levar teu almoço na fábrica e mais ainda quando me convidava a fazer sua ronda para que desse as cordas no relógio, qual guia turístico, mostrava sempre tudo com calma e com orgulho, do local de trabalho e da profissão... Dizia com certa pompa, sou guardião.
Mas os dias são como são. Os ideais mudam, os jovens são movidos ao não sei, ao impulso de acompanhar um objetivo que nem sabem o que é na verdade, um impulso por vezes malfeitor. Afastei-me, levado pela idade talvez. Aprendi na dor a reverenciá-lo, não como um ser perfeito, mas como aquele que à sua maneira tentou manifesta-la. Apenas o tempo... O tempo te buscou antes que eu aprendesse, te conhecesse, te ouvisse, antes que eu te reconhecesse com a palavra amor...
Passado estes anos, visualizo um homem que chorava escondido, no desemprego, nas perdas, na doença nas lembranças, nos medos, nos erros e nos risos que faziam saltar a dentadura. E dos dias que chegava de seu turno, mochila ao ombro, bigode grisalho e cabelo aprumado, andar de sábio, olhos profundos de místico, com a espiritualidade aos poros, espírita na fé. Ainda vejo a primeira coisa a sair da sua mochila, o seu livro de cabeceira.
Ouço ainda a sua voz na escuridão de algumas noites, bem como ainda me arrepia na lembrança de sua braveza, de quando mordia a língua e acatava seus impulsos e cobrava-me atitudes à vara de grinalda e ‘rabo de tatu’.
Homem de sangue quente e fé fervorosa, na sua própria crença e fiel a seus pensamentos. Só seus.
Hoje queria tê-lo ao lado. Riríamos muito de tudo o que juntos fizemos, desde correr atrás de mim para me dar uma sova como a me levar ao campo na folga para me ensinar a andar de bicicleta, desde me buscar no campinho a varada pela desobediência a me levar em vários curas para que melhorasse minha saúde.. Esse homem foi o ‘Seu Abilio’, nascido em oito de fevereiro de mil novecentos e dezoito e que encerrou sua caminhada nesta terra paranaense em seis de junho de mil novecentos e oitenta e três.
Talvez, nem sei, achem meu delírio mais que uma confissão, uma homenagem a esta pessoa que marcou minha vida e minha estrada nestes longos anos, mas fazendo isso, abrindo meu redato a olhos sedentos de leitura, busco influir no pensamento e quissá no comportamento de pais que também são filhos e de filhos que também são netos...
Se por algum motivo houve em você um distanciamento de seu principal genitor, seu mantenedor espiritual e carnal, ao qual a incumbência de ser responsável em te dirigir e encaminhar no teu período terreno, este que é homem e ser humano, que pode ser falho como tantos outros, vá ao seu encontro, abra o teu coração, desça deste pedestal de teimosia e deixe as lágrimas correrem, peça-lhe perdão ou ofereça o seu perdão. Esqueça o que afastou, abrace-o gostoso e marque este dia como um renascimento, pois como filho pródigo volta. Dê-lhe palavras de acalanto, principalmente se o tempo encarregou-se de deixá-lo fraco e com sulcos dos anos.
Não deixe para o mais tarde, não deixe para o agosto do dia dos pais. Para fazer-lhe uma visita rápida, entregar um par de meias de cóton e um cartão de um real comprado no sinal, de palavras queimadas na indústria que o usurpou por tantos anos. Ofereça isto sim, seu respeito doravante, palavras de conforto e sua amizade. Aproveite para ouvi-lo, para absorver um pouco de sua vida que acrescentará à sua, procure saber dele e sobre ele, basta lembrar do tempo que já ido nos cantos do passado a amizade e confiança era o laço que os atava, o sangue de família, a intimidade que possuíam e faça o resgate.
Deixe que teu coração de guie, que sejam felizes todos os dias a serem vividos.
Salve ao velho, o jovem e a criança!
Ao pai... Ao filho... Ao neto... Amém!