Escorpião

Maria Eduarda era uma mulher rica, mesquinha, sem amigos e amarga. Não fazia mal a ninguém, no entanto, até o dia em que Luíza começou a trabalhar em seu escritório. A novata não tinha qualquer coisa que pudesse atacar a ira da advogada, pois não era extremamente bonita ou elegante, e trabalhava num posição de subalterna dela. Mas não teve jeito. Como dizem os mais velhos, "o santo não bateu".

A presença de Luíza incomodava, dava coceira e não era possível passar uma tarde sem ouvir a moça rindo com algumas de suas colegas de repartição. Isso era o que mais azedava o humor de Maria Eduarda, porque ela sabia que não era querida por ninguém depois de tantos anos de trabalho no mesmo lugar.

Numa dessas conversas com as colegas, Maria Eduarda ouviu que Luíza era formada por uma das melhores faculdades do país. Não demorou para que o chefe reconhecesse que ela merecia uma chance de exercer o que estudou. Assim, Luíza e Madu agora estavam em pé de igualdade. Pulemos a explicação de como Madu se sentiu.

Ela pensava em mil planos para que Luíza desaparecesse do escritório. Pensou em coisas realmente geniais, mas não colocou nenhuma delas em prática. Nesse meio tempo, Luíza se casou e apareceu no escritório com um barrigão do qual apenas Madu não tinha ouvido falar. Mas era um barrigão redondo, lindo, que não deixa dúvidas de uma criança saudável.

A criança, Tatiana, nasceu cega. Durante alguns meses, o estado emocional de Luíza estava árido. Não se ouvia mais a risada dela, mas Madu não parou com as tramóias em sua cabeça. É verdade que o nascimento da filha cega deixou-a com a sensação de que essa era uma maneira de vingança contra Luíza sem ter que fazer alguma coisa.

Tatiana tinha 9 anos naquela manhã em que Madu saiu do escritório e encontrou-a parada com sua bengala, esperando o sinal de trânsito soar aquele apito que avisa quando a passagem para pedestres está livre. Porém, não precisou dessa ajuda mecânica, pois uma agradável mulher ofereceu-se para ajudá-la.

Enquanto, de mãos dadas, Tatiana e Madu atravessavam a rua a passos curtos, a advogada ficou pensando no primeiro dia que Luiza apareceu no ambiente de trabalho e azedou o ar que respirava com soberania. Todas essas lembranças pareciam comida estragada no estômado de Madu. Era a hora.

Afastou-se lentamente e deixou a menina sozinha ainda no meio da rua. Sabia que em poucos segundos uma chuva de carros lavaria a menina dali. E existe coisa melhor pra ferir alguém do que machucar suas crias? Era a vingança perfeita. A menina batia a bengala cegamente (perdoem a redundância) no chão, esperando encontrar a sarjeta para subir na calçada. Sabia que estava no meio da rua. Não enxergava, mas sentia com uma intensidade que muita gente nunca vai ter.

Madu ficou ali, olhando. Queria saborear a cena. Pensava no rosto contorcido pela dor de Luiza. Lembrou-se de uma frase que tinha visto num documentário animal: "Um escorpião é sempre um escorpião. Não pode deixar de trair suas presas. É sua natureza". Sentiu-se majestosa na comparação com o bicho.

Então, a menina, num ato de coragem, sentou-se no chão. Isso fez com que Madu tentasse engolir o nó em sua garganta sem conseguir.

Correu, levantou a menina do chão e jogou-a num canteiro cheio de grama fofa. Tatiana não pôde ver o que aconteceu, mas pelos sons do ambiente entendeu o que se passou.

O que estava estendido no chão, cheio de cores que nós nem sabemos que temos, era qualquer coisa, menos um escorpião.

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