O jantar no Shopping

Cheguei na praça de alimentação para tomar um chopp após ter pago as minhas contas e a minha frente em sete mesas alinhadas, senta um rapaz tranqüilamente na mesa central, com um kibe numa mão e um refrigerante na outra. Era visível o prazer que ele comeria aquele kibe, pois o seu olhar era de pura satisfação. Quando ele menos imagina, um grupo de senhoras de terceira idade invade a mesa do pobre rapaz, ele, meio desconcertado, olha em volta e acelera o seu processo de degustação do kibe que até esse momento era de puro prazer. Ele esboça levantar, mas as senhoras o impedem.

- Não meu filho, pode continuar...

Ele sorri sem graça e enfia a metade do kibe na boca, as senhoras vão chegando e o rapaz se encolhendo na cadeira enfia a outra grande metade do kibe acompanhada de uma grande golada de refrigerante. Pega, meio desconcertado, as suas bolsas que já estavam na mão de uma sorridente senhora e levanta rapidamente da mesa dando espaço para as vovós.

Quase que imediatamente, vários garçons rodeiam as belas senhoras e num grande alvoroço começaram oferecer os seus produtos. No meio de tanta loucura e gritaria, as senhoras olhando ora para um lado ora para o outro sem conseguirem entender absolutamente nada, um garçom da pizzaria BellaRoma se sobressai com a sua voz alta e tonalidade forte e alegre chama a atenção das senhoras que finalmente, talvez também pela idade, conseguem fixar o olhar em um só ponto.

Os outros garçons, com os seus olhares de desolação, aos poucos vão saindo contrariados da mesa até que o rapaz da pizzaria fica único e soberano. Olhando de um lado a outro, ele pensa, “Que bom, elas querem pizza”.

O garçom, com ar de vitorioso, distribui os cardápios e com um sorriso galanteador começa a distribuir sugestões às simpáticas senhoras. Mas ao mesmo tempo, veio a cara de preocupação, agora era apenas ele com dezesseis velhinhas querendo aproveitar o máximo da tarde e não queriam perder tempo na escolha da pizza. Todas começam a perguntar ao mesmo tempo pelos diversos tipos e sabores que estavam no cardápio. O rapaz se vê louco e obrigado a correr por todos os cantos das mesas para atender as senhoras. Várias pessoas em volta, inclusive alguns garçons derrotados, achavam graça da cena. Mas o garçom, na determinação de mostrar o seu valor, não se vê por vencido e, de uma forma tranqüila e organizada, consegue controlar o ímpeto das sexagenárias esfomeadas. Ele recolhe todos os pedidos e, mais rápido do que meu chopp, começa a despejar todos os sucos e refrigerantes – para as mais ousadas – na mesa. Lógico que teve um certo remanejamento, pois mesmo sendo um bom garçom, ele não era perfeito.

Imaginei que as pizzas levariam um tempo para chegar, então pedi mais chopp para ver como essa aventura terminaria. Pra minha surpresa, as pizzas chegaram bem mais cedo do que eu imaginava, na verdade, mais cedo até do que meu segundo chopp. Em instantes, as senhoras começaram a saborear as suas pizzas e de vez em quando, trocando alguns pedaços. Afinal de contas de que vale comer pizza em grupo sem poder degustar os outros sabores.

As delicadas senhoras comem vagarosamente as suas pizzas, parecia que eu estava na frente de um filme slow motion que só era atrapalhado quando o garçom passava rapidamente em volta delas.

Em um silêncio quase mórbido, as pizzas, os sucos e refrigerantes começam a fazer efeito nas doces vovós. Poucas conversam, a maioria está atenta ao próximo pedaço de pizza que demora uma eternidade para chegar na boca. A mastigação é feita bem lentamente e nas faces aquele olhar de derrota.

Derrota, finalmente começam as desistências

– “Ai, já tô cheia já!”, ouve-se essa frase algumas vezes.

Todas satisfeitas e saciadas, o garçom sorrindo alegremente com uma cara de missão cumprida, volta a mesa dizendo alguns agrados e brincadeiras, mas as senhoras, com um olhar de desprezo ou de derrota, não dão muita atenção, apenas pedem a conta.

Quando a conta chegou, o que era improvável aconteceu, as senhoras acordam do sono profundo e inicia o turbilhão de falação desconcentrada. O que aconteceu? Pensa o garçom. Como voltaram ao estado inicial tão rápido? Na hora de pagar o alvoroço re-inicia, cada uma calcula a sua dívida, as notas avulsas e moedas vão caindo na mão do rapaz que se vê obrigado a largar a bandeja e o cardápio na tentativa de não deixar as moedas e pequenas notas caírem no chão. Os risos voltam a aparecer nas mesas ao redor, mas dessa vez sem os garçons derrotados que nesse momento já estavam em outras tarefas.

Após recolher todo o dinheiro, o garçom corre para o balcão da pizzaria, esboça uma contagem e num olhar meio que complacente, entrega todo o dinheiro a caixa, faz um sinal de positivo para as velhinhas com um sorriso singelo e sem graça.

As pessoas em volta se questionavam se o sorriso era de felicidade por ter mais dinheiro do que ele imaginava ou de desistência por ter dinheiro a menos e, naquela altura do campeonato, era melhor deixar pra lá. Não importa mais, as senhoras já satisfeitas, levantam vagarosamente de suas mesas e daquele jeito simpático marcam novos encontros.

– A gente podia fazer isso mais vezes, né?

– É mesmo, foi tão bom.

Foi impossível não notar o quase discreto olhar de reprovação do garçom que logo corre para atender uma outra mesa. Após esse momento de prazer, arrumei as minhas coisas e fui embora, pois tinha a certeza que o meu esperado chopp não chegaria mais.