UM DIA COMO OUTRO QUALQUER

Pelo som que invade minhas janelas imóveis, entre frestas e desassossegos, percebo lá fora que a tempestade chegou.

Sabia que chegaria, pois os avisos foram muitos. A tv trouxe bem rápido na véspera detalhes do que nos esperava. Ventos fortes, chuvas resistentes entre frio e humidade, nuvens pesadas e escuras posto que o sol, amanhã, não vai sair.

Detalhes técnicos, precisos para quem se importa com números e tudo aquilo que só os olhos da razão podem detectar com clareza. As outras coisas, que chegam no turbilhão de uma tormenta ninguém pode precisar ao certo como haverá de se dar. Por isso a razão se detém tanto nos detalhes, para que a incerteza não lhe desfigure demais e nem a deixe vazia quando sua fúria passar.

Assim também nos assolam as tormentas da vida. Via de regra os sinais vão chegando aos poucos, incertos mas consistentes, para que a razão dê o alarme – balela! Jamais damos razão à razão quando se nos aproxima o caos. Não temos a tv da emoção, mas as previsões feitas pela alma nos conduzem ao desconforto crescente de que tudo haverá de mudar, e quem fomos até aqui haverá de ser levado para sempre. Não há perdão ou novas chances, a vida é assim, só a temos uma vez nas mãos para fazer certo.

Um dia acordamos, na verdade após uma noite mal dormida, e nos damos conta de que vamos enfrentar nosso medo maior – a perda: do quê, ou de quem queremos que se eternize em nossa vida.

Até ontem parecia que a felicidade tinha vindo pra ficar. Tudo se encaixava com a alegria inocente que enchia de paz um coração estreante. Das vozes que traziam promessas, meu coração se alimentava com a mensagem do amor verdadeiro, aquele que a gente sabe e quer que seja para sempre. Do rosto querido que combina com a forma de nosso coração buscava concretizar a imagem que um dia nos disseram que haveríamos de encontrar. Da emoção que vem e invade, tudo o mais é consequência bem vinda.

Era bom e era tudo!

Quem ousaria pensar que se extinguisse assim de um dia para o outro? Balela outra vez! Um amor assim não acaba! Todo mundo sabe disso... E ainda assim acabou.

A tempestade na alma se avizinha bem lá atrás. De pequenos sustos, alguns contratempos que teimam em destoar do todo perfeito; da dor de uma dúvida que persiste e nos acerta o primeiro golpe; no intermezzo abrimos espaço para o fôlego e logo, logo para desculpas e carinhos que parecem ser capazes de conduzir ao rumo que nosso amor quer. Mas lá no fundo, naquele lugar que a gente nunca viu em nosso peito mas sabe que existe, a inquietação começa a calcular, a dar espaço para a razão de tantas razões, a insistir nos detalhes técnicos que assombram aqui e ali uma alma apaixonada.

Não! Não pode ser isso, problemas acontecem e isto tudo vai passar. Assim como na natureza, depois da chuva forte o sol volta a brilhar e o dia fica lindo outra vez. Assim também seria...

O tempo passa e a calma, quando serena demais também incomoda, é mais um sinal da tormenta que se aproxima. E entre sinais de apego e desapego, começamos a caminhar mais lentamente e sem certezas, tateando um caminho que já esteve tão claro, buscando desvios que nos poupe da dor. A cada dia aquela alegria vai cedendo espaço ao sofrimento da dúvida que vira e mexe aparece em uma palavra mal colocada, ou nos surpreende no esquecimento daquilo que para nós parecia fundamental.

Agora está mais perto, posso sentir os sinais da mesma forma que ouço os sons que corrompem a placidez de minha janela. Há muita instabilidade no ar, e isso parece fazer com que a gente já não enxergue direito o que antes via no outro, e não escute mais a essência do que tantas vezes foi prometido entre um afago e o calor da emoção. A turbulência e o céu escuros chegaram para ficar, como que a montar o cenário do fim.

A tensão é grande, combinando com a tristeza que toma conta de tudo, das palavras antes tão belas e hoje quase rudes, posto que vazias de futuro. Seu rosto não vejo mais e o meu saiu por aí sem rumo e sem qualquer expressão que dê chance a alguém saber como estou por dentro. Romper as amarras dilacera o amor para sempre e não deixa dúvidas de que a tempestade e seus efeitos agora nos colocam diante daquele medo cruel – a perda do que um dia pensamos ser incondicional. Nos vemos partir, ambos partidos, sem compreender direito o que fazer de nossas rotinas antes alinhadas pelo ombro do outro. Tudo agora assume a pauta da individualidade mesmo que não saibamos ainda o que fazer com ela.

O que será do dia seguinte se hoje tudo se converte em nada? A dor é grande, mas também é sinal dos tempos. Nada vem para ficar, nem o amor, tampouco a dor.

E tudo passou como estava previsto nos detalhes técnicos.

Assim é na natureza como na vida, o tempo de uma tempestade, como esta que observo tranquila através de minha janela, dura somente o necessário para nos colocar mais fortes, um dia à frente de quem éramos, antes dela começar.