Senhora dos Sonhos Bons

Aos dezoito anos eu vivia vida boa, mas queria vida de gente grande, problemas de gente grande. Devia ter me lembrado que ainda era gente pequena, daquelas que sonha grande, muito grande. Tão grande que sente que pega estrela na mão, como que tirada do pomar, e corre ligeiro pra casa pra colocar embaixo do travesseiro e sonhar um desejo bem daqueles dos bons. Queria ter aproveitado meu tempo ao seu lado e ter sido criança quando nos foi permitido, ficar domingo sentado na praça fazendo nada... fazendo trancinhas no seu cabelo de Pocahontas; brincar de esconde-esconde, pega-pega e te pegar nos braços; te rodar, planejar o futuro vivendo o presente, presente de Deus, cada formiguinha passadeira carregando leve os segundos, carregando cada visita sua nos meus sonhos, no meu mundo.

As visitas foram muitas; meu mundinho, aliás, é todo seu. As ruas têm seu nome, as casas se padronizam ao seu mais singelo traço, suas curvas e suas retas; ao fim de cada rua uma praça, igual àquela da Liberdade onde o tempo passa faceiro como as Donas que vendem suflair de morango e ficam transitando intermitentemente impedindo os compenetrados estudantes e as esforçadas senhoras que tentam se livrar daquela incômoda gordurinha em incessantes caminhadas e desviam, não das Donas, mas das suas próprias tentações.

No seu mundo - nosso mundo – os dias são de interior e passam lento, atrasados, incorrigíveis que demoram só mais um dedinho de prosa e só se terminam após uma senhora caminhada, uma forte cavalgada ou um belo dia com cachoeira, com sol quente e água gelada. No meu mundo todos os dias têm o seu cheiro e tudo o que nele existe presta reverência quando você passa; e você passa sempre e volta a passar desperdiçando em mim seu perfume até a hora em que o sol se vai e a noite cai.

Lá a noite é de fazenda, com barulho de grilo e de riacho, às vezes até barulho de sapo – eles não chegam muito perto, mas a gente escuta de longe, baixinho - e um ou outro novilho desgarrado chamando pela mãe. Na casa tem banho de serpentina, aquela água quente e pura que, vinda ali do riacho, limpa tudo, chega que limpa até as bocas sujas dos meninos dos “peão” que vivem correndo de um lado pro outro e deixam a gente doido e sem fruta no pomar. As noites lá são sempre frescas e, quando você vai me visitar, a lua é cheia e a gente sai pra dar um passeio nas trilhas de enxurrada, aquelas que a gente só usa quando a chuva desaba de repente e demora pra ir embora, deixando tudo alagado, só com essas estradinhas pra sair, mas ninguém acha ruim, chuva só traz coisa boa, traz vida pros bichos, pras plantações e a gente só dorme juntinho pra afastar o frio; e afasta dum jeito tão forte que a gente só não separa de calor por que seus abraços têm cola, e eu acho bom, que é pro meu coração ficar batendo juntinho com o seu.

Hoje, após alguns anos, a gente é realmente gente grande, sem muito espaço pra brinquedo, sem muito tempo pra lembrança, sem tempo pra ligar, perguntar ou mandar um beijo só. Gente grande é muito sem jeito, desaprende a ser faceiro e ter coração bem meigo, sem medo.