TRAGÉDIAS CÔMICAS DE AMÉRICA # 3

“Curiosa essa coisa da mulher latina, a gente deve gostar mesmo de sofrer...” – pensava ela. “O que é pior?” – perguntava-se – “Quando quem você quer não telefona, ou quando telefona pra você por engano?”... “Pior que isso só ser chamada pelo nome da ex...” – concluía.

Quem a gente não quer, por sua vez... liga o tempo todo...

– “Que saco! Diz que eu n’um tô! Melhor, diz que eu morri!”

– “Eu? Você sabe que eu odeio mentir!”

– “Não se preocupe, se esse telefone tocar de novo vai virar verdade, eu juro que eu me mato!”

– “Melhor você começar a pensar no método então... é isso que ‘I’ll try her latter’ quer dizer, não é? Hehehe... mamãe passou açúcar mesmo, hein?”

– “É... como é que ela iria saber que quem eu quero pelo jeito tem diabetes?...”

– “Ai que horror... drama-queen...”

– “É... no cú dos outros é refresco... você dorme com o pé quentinho... minha escova de dentes já está até com depressão...”

Haviam sido quatro turbulentos anos. Nunca tinha amado tão intensamente e essa vulnerabilidade a mantinha em constante insegurança, o que, naturalmente, gerava tensões regulares que acabaram por minar a relação. Deixara tudo para trás por esse amor, agora tinha que deixá-lo para trás também, mas não queria e nem sabia como. Da última vez tinha sido sua a decisão: saía da relação em nome de coisas que considerava importantes e inegociáveis, as quais, todavia, agora, pareciam ínfimas, tamanho o vazio em que sua vida se transformara desde então.

Tentara conhecer outras pessoas, angariara alguns novos amigos, mas o saldo era basicamente esse. Não sabia o que lhe irritava mais, se a chatice das pessoas absolutamente não interessantes ou o fato de que mesmo as interessantíssimas não lhe interessavam nem um pouco. A verdade é que, embora odiasse, adorava aquele jeito bruto de segurar flores apontando pr’abaixo, mas trazia flores, aquele jeito que, depois de dominar e foder como se fode uma puta, abraçava forte, cravava as unhas nas suas costas, e sussurrava “eu te amo” segundos antes de chegar ao clímax... Adorava o jeito engraçado que falava quando estava com sono... Adorava seu mau humor e adorava até mesmo o seu ronco desesperador...

– “Se você ‘tá tão sozinha assim, porque você não atende essa merda desse telefone e carrega a mala por um tempo? Pr’á ajudar a dor-de-cotovelo passar?”

– “Porque não iria adiantar nada.”

– “Como você pode saber sem tentar?”

– “Do mesmo jeito que eu sei que se eu enfiar o dedo na tomada vou tomar choque, mesmo sem nunca ter levado essa brilhante idéia a contento. Não consigo nem pensar em beijar ninguém porra!”

– “Então por que você não volta?”

– “Porque sequestro e cárcere privado ainda davam cadeia da última vez em que eu chequei a ‘letra-da-lei’... logo... em nome do ‘Estado Democrático de Direito’... eu estou democraticamente fodida! Respondido?”

Dalila Langoni
Enviado por Dalila Langoni em 10/03/2008
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