No Ônibus do Ministério

Estava no trabalho entretida num relatório quando percebi, pela movimentação dos colegas, que era hora de ir embora. Corri para o estacionamento onde já havia fila para entrar no ônibus. Entrei, sentei-me numa poltrona do corredor e fiquei observando os outros se acomodarem. Na poltrona vizinha à minha, do outro lado do corredor, havia uma mulher grávida, cuja barriga denunciava já umas sete luas.
Passados alguns instantes, entraram os garotos. Eram três molecotes, com idades variando entre seis e oito anos, que vez por outra passavam vendendo balas e chicletes. O burburinho cessou. Por mais que estejamos acostumados aos fatos da desigualdade social, ela ainda nos choca, felizmente. E a visão dos pequenos excluídos ali, tão desprotegidos, causou-nos aquele mal estar típico de quem se sente impotente para ajudar, mas sabe que poderia fazer mais do que simplesmente comprar-lhes as guloseimas.
Os meninos passaram pelo corredor apresentando suas mercadorias e o mais novinho demorou-se alguns segundos encarando a jovem futura mamãe. Ao voltarem, ele novamente a olhou fixamente por alguns instantes. Com uma carinha enternecida, quase angelical, ele perguntou:
- Dona, a senhora gosta do seu filho?
A conversação que se reiniciava deu lugar a um silêncio sepulcral. Todos os ouvidos se voltaram para a cena e aguardavam ansiosos a resposta. O ar ficou pesado, carregado de nossa piedade, comiseração e um insuportável pesar por aquela criança, quase um bebê, que talvez nem tenha conhecido a mãe. Ou pior, o temor de que ela exista e seja um ser desprezível, que maltrate o pobrezinho, que o espanque e humilhe, tornando a sua infância um período miserável e infeliz.
Minha vizinha sorriu, abaixou a cabeça e acariciou suavemente o ventre volumoso. Depois, olhou para ele e respondeu, com uma voz embargada e muito doce, a alma repleta de amor, como costumam ser as mães:
- Sim, querido! Eu o amo muito.
Nova expectativa. Os olhares fixos no garoto, colegas inclinavam-se sobre os braços das poltrona para vê-lo.
Ele abriu um enorme sorriso maroto e perguntou:
- Então, por que a senhora engoliu ele?
E, às gargalhadas, saiu correndo, empurrando os outros dois, pela porta aberta do ônibus, deixando-nos todos aliviados de nossas culpas, provocando uma deliciosa catarse em nossos pesarosos corações.


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Ilustração: Zelito Rodrigues para o Rede Agências (Informativo da Rede de Varejo dos Correios) n° 310 de maio/2007, onde este texto foi publicado.