Cartas de Salamanca - A rã da fachada
“una de las cuatro luces que alumbran al mundo”
Papa Alexandre IV, em 1254, sobre a
Universidade de Salamanca
Situada às margens do rio Tormes, Salamanca é cognominada de “pequena Roma” pelo rico patrimônio histórico que ostenta. São emblemáticos os seus edifícios, monumentos, praças e igrejas. A Universidade, com quase oitocentos anos de existência, também figura nesse rol, com galhardia.
Em 1218, o rei Afonso IX fundou a Universidade de Salamanca. Poucos anos depois, o Papa Alexandre IV declarava que a instituição era uma das quatro luzes que iluminavam o mundo, junto com as universidades de Oxford, Paris e Bolonha.
Há registro que, em 1584, por exemplo, nada menos que 6.778 alunos assistiam às disciplinas ministradas em suas salas. Todos almejando conquistar seus títulos de licenciados ou doutores. E eram estudantes de todas as partes do mundo, demonstrando que a influência de Salamanca já não se limitava ao continente europeu. Comumente vemos citados nomes ilustres que passaram por seus bancos.
É plausível que nos seus longevos corredores, ou nas ruas da cidade, escutemos histórias que o tempo trata em transformá-las em lendas, fábulas, folclore ou, por vezes, terminam incorporadas à cultura organizacional. Conto-lhes duas.
Naquele afã dos primeiros dias em conhecer a urbe e seus encantos, todos somos levados a contemplar a fachada do prédio antigo da universidade. É cena comum, a qualquer hora do dia, encontrarmos um grupo de turistas, ou de estudantes, admirando o belo frontispício Plateresco (estilo típico do Renascimento espanhol), cuja edificação foi concluída no início do século XVI.
Não sendo especialista, fica até difícil traduzir em plenitude a beleza da obra. Mas, mesmo com visão leiga, arrisco passar-lhes algumas poucas informações. Bem, imaginem a frontaria de um edifício, com altura compatível a mais ou menos cinco andares, como se fora um tapiz de pedra, dividido por colunas e frisos e com uma enorme quantidade de detalhes esculpidos. Pois é a impressão que temos ao olhá-la. Existe até uma recomendação de que devemos ficar posicionados há uns seis metros de distância, para melhor visualização.
Além do alumbramento com a formosura arquitetônica, a conversa predominante quando das visitas à ‘fachada’ é a localização da rã. Isso mesmo. Existe certa disputa para ver quem localiza esta, em meio a tantos quiméricos objetos que ornamentam aquela. A explicação para a presença da lendária rã remete a questões simbólicas e religiosas da época da construção do sodalício, mas não iremos adentrar a tal alçada, para não tornar-se enfadonho.
Porém, a fábula gira em torno das ‘alternativas’ do que ocorrerá com quem encontre, ou não, a rã: uns dizem que o estudante que não encontrá-la, logo na primeira visita, não se dará bem no curso. Outros brincam com os turistas, dizendo que se os mesmos não lograrem êxito na busca, não terão sorte na viagem.
Outra interessante história envolvendo a Universidade, de cunho menos mítico, diz respeito ao ‘Victor’ (do latim victor, vencedor) — símbolo de vitória —, que é facultado ao estudante pintá-lo, junto a seu nome, em uma das paredes da instituição, ao concluir o doutoramento.
Atualmente a pintura é feita com requinte, técnica e, claro, tinta apropriada. Mas nem sempre foi assim. Nos primórdios, era costume que o concluinte brindasse sua conquista com uma festa, sacrificando um touro para a referida comemoração; e o sangue (misturado a alguma substância, creio) desse animal servia para ele e seus companheiros escreverem o ‘Victor’.
Ainda hoje é possível, em algumas das seculares paredes, observarmos decifráveis manchas das pinturas de antanho, que teimam em resistir ao tempo. Contemplando, tanto os símbolos antigos como os novos, particularmente, é inevitável não lembrar-me do grande Machado de Assis –
Bruxo do Cosme Velho –: “Esta a glória que fica, eleva, honra e consola”.